terça-feira, 23 de outubro de 2007

O emagreçedor de Quaraí (2)

Quem conhece bem o doutor sabe que tem duas coisas que não gosta: magreza e castelhano. A profissão explica uma e a proximidade da fronteira a outra. A combinação dos dois me tira do sério. Isoladamente só detesto. Agora, ao causo da baleia gremista.

Não estranhem a designação. Tenho o hábito de apelidar, carinhosamente, as clientes. Tem a orca de Sapucaia, a aliá do Jaguarão, a oleosa de Dom Pedrito e a minha preferida – a picanha uruguaia. Mas vamos ao causo.

Uma tarde, quase na hora de encerrar as consultas me aparece uma portenha. Gorda pelo menos, enorme para ser mais preciso. Não foi pelo sotaque que eu percebi que a dona era da outra banda do rio. A castilhana obesa tem um quê especial. A distribuição de banha é diferente. A paleta junta mais gordura que a anca e a deformidade lembra o corcunda de Notre Dame. Nem pêra, nem maçã. Parecia uma manga.

O trajo da bicha mostrou que ia dar trabalho. Tava toda de azul, branco e preto. Vestido de lamê azul, sapato preto e um lencinho branco no pescoço. Parecia um mosqueteiro. Acho que não sabia que eu sou colorado. Ao entrar na sala desembuchou:

- vim aqui fazer uma dieta.
- buenas, que bom. Comprar seguro de gringa que eu não vou.
- quero ficar com o corpo da Gisele Bünchen.
- coitada nem sabia que a prenda tinha morrido. Mas como não é minha herança pode ficar com ele, sim.
- o doutor não leva nada a sério?
- só a dieta do doutor Atkins. Eta, regime bão. Mata do coração, mas o guasca fica sequinho.

Antes de adelongar a prosa e sentindo que a dona estava impaciente pra tirar a roupa e ser examinada, resolvi passar um tratamento rápido:

- vamos começar pela dieta da munhata. Só batata-doce durante 15 dias. Deve perder umas seis libras. Se resistir volta aqui, mas pede pra Guerda marcar a consulta ao ar livre. Por causa do vento ruim.

3 comentários:

Anônimo disse...

Poderíamos inventar os obesos anônimos, se é que obeso consegue passar desapercebido.
Um lugar virtual, tipo second life, onde cada um teria sua própria identidade. Gordo virar magro, magro virar gordo, ou que bem entenderem.
Seria a grande realização para as frustrações do dia-a-dia.
Um lugar de desabafo para a vida cotidiana se tornar suportável.
Tipo um fórum de discussão para as dietas da moda, ou a soluÇão milagrosa do momento.
Fechar a boca, e fazer exercício, isso ninguém quer. Deixar de desfrutar dos prazeres alimentares da vida, pode levar a uma frustração subconsciente que mataria os seres obesos.
Mas ainda bem que vivemos numa democracia, onde as diferenças são aceitas, os diversos tipos respeitados, e acima de tudo, merecem nosso mais profundo respeito.
Viva os obesos.

Otávio disse...

Não adianta, quem sabe, sabe! E parece que nosso dotô sabe muito bem como tratar uma paciente. Ele tem as manhas todas.

Engraçado e divertido, espero que ele apareça mais vezes e se isso acontecer é melhor vir acompanhado de um dicionário de termos gauchesco. Paleta, guasca, munhaca, não tenho idéia do que seja.

roberto bezzerra disse...

não seria uma surpresa se na frente do consultório houvesse uma manifestação de repúdio das senhoras de "curvas barrocas" ao som de "até a pé nós iremos,para o que der e vier,mas o certo é que nós estaremos com o grêmio onde o grêmio estiver"
briga feia foi comprada!