quarta-feira, 25 de junho de 2008

Memórias e lembranças.


Longas conversas com a velha senhora proporcionam uma infinidade de sensações agradáveis. As próprias estórias, a forma divertida de narrá-las, algumas interpretações extremamente datadas e compatíveis com o tempo de vivência e a alegria em vê-la dividir os fatos. Existem momentos em que a memória é traída e, nitidamente, resgatada pela lembrança.

A memória é uma função cognitiva complexa determinante da capacidade de armazenar e evocar informações disponíveis. Um sistema de transmissões químicas e elétricas que proporciona a retenção de dados e o resgate na hora desejada. Já a lembrança é uma forma especial de evocar fatos e recordações, modulada por sentimentos, emoções e estados de ânimo.

Devido a estas sutis diferenças, e na dependência de condições de personalidade e voluntariedade, existem pessoas com memória fabulosa e lembranças limitadas, da mesma forma que outras manifestam lembranças estupendas mesmo em condições desfavoráveis de memorização.

Independente da forma priorizada pelas pessoas, nas suas relações ao longo da vida, as duas têm um grande inimigo – o esquecimento. O aparecimento deste inimigo feroz produz estragos devastadores, com impacto semelhante, impedindo as funcionalidades da memória e a recuperação das lembranças. Cria um vazio insuportável.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

A visita da velha senhora.

Não, caros leitores, eu não pretendo concorrer com o suíço Dürrenmatt. E nem vou fazer uma versão tropical deste grande sucesso da dramaturgia mundial. A estória, que começa amanhã, e se prolonga por oito dias não terá lances de retorno à cidade decadente ou sede de vingança. Está planejada para ser uma visita alegre e descontraída. Um encontro, nada solene, entre mãe e filho. Com direito a queixas dos irmãos e tudo mais. Uma visita completa. Nos moldes tradicionais.

Aquele brotinho resolveu sair da sua toca e me visitar. O motivo é a grande comemoração natalícia do domingo. O meu aniversário. Uma das datas mais importantes no calendário nacional, quem sabe até universal. Diferente de alguns outros, eu gosto da data. Independente de comemorações e visitas senhoriais. Sem receios de ver o tempo passar, me alegro com o evento - estar contando mais um ano.

Os amigos que quiserem podem deixar os parabéns, desde hoje. Serão muito bem-vindos. Ou aguardem o texto específico do dia com direito a elogios rasgados da minha parte e espero que da de vocês, também.

Mas vamos deixar as solenidades para o dia. Por enquanto vou curtir a visita da velha senhora.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Perdição.


Na alma que não sente,
o sentimento transforma a dor.
No peito de quem não sofre,
inunda a mente o amor.

Transponho a memória,
e me perco na lembrança.
Clamo, sem esperança,
por mero rastro de glória.

Afasta-te perdição.
Deixa-me ser eu.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

O santinho querido.

Hoje é dia de Santo Antônio. Aquele que arranja marido, dirão em coro as moças solteiras. E uma boa parte das não solteiras também. Sinal dos tempos. Mesmo sem o consentimento da Igreja Católica, as legalmente separadas, as simplesmente abandonadas e as que buscam um outro companheiro, aderiram ao apelo para o santinho. Como não tenho evidências favoráveis ou contrárias de que o fato (conseguir par) seja conseqüência do ato (apelar ao santo), evito discorrer sobre a eficácia das ações do Antônio.

Independente dos motivos que levaram as pessoas a considerar este personagem como protetor das casadoiras, eu devo afirmar que algumas das formas de apelo ao santo, descritas ou passadas oralmente de geração em geração, são extremamente contraditórias, politicamente incorretas ou simplesmente hilárias. Nada mais contrário à preservação ambiental do que o estímulo ao esfaqueamento de bananeiras, na calada da noite.

A indicação de abrir a porta da frente da casa para que Santo Antônio permita a entrada de alguém especial em sua vida, dizendo - “Santo Antônio, protetor dos enamorados, faça chegar até mim àquele que anda sozinho e que em minha companhia será feliz” – possibilita o aparecimento de oportunistas e compromete a segurança das solicitantes. Impensável nos dias de hoje, mesmo em condomínios fechados.

Vejam o primor desta simpatia para ser pedida em casamento - pegue uma fita vermelha e use no sutiã, entre os seios, por sete dias. Após este prazo, coloque dentro de um envelope, lacre e deixe no altar de Santo Antônio. Reze ao santo pedindo que realize seu desejo. Depois, acenda uma vela de sete dias. Diferente de outras simpatias que determinam a escolha do nome dos prováveis candidatos, esta é anônima e permite uma variada gama de possibilidades. Portanto, não estranhe se um desconhecido lhe oferecer flores, mesmo sem usar aquele desodorante da propaganda.

Finalmente uma divertida receita de banho de atração, para ser aplicado em qualquer horário do dia. Apesar de estar descrita em um site com simpatias de Santo Antônio não há referência ao santo, em nenhum momento. Inclui a fervura de um litro de água com sete pétalas de rosas vermelhas (símbolo da paixão), sete gotas de óleo essencial de sândalo (afrodisíaco), sete cravos da Índia (afrodisíaco) e sete pitadas de coentro (afrodisíaco). Coar e jogar do pescoço para baixo após o banho.

Com tanto afrodisíaco eu fico com pena do primeiro ser de calças compridas que aparecer na frente da vivente. Sacramentado o estrago, a própria vai ser obrigada a casar com o coitadinho. Mais um ponto para a fama de casamenteiro do santo, mesmo por vias tortas.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

A triste sina dos super-heróis.

Na infância não me recordo de querer ser um super-herói. Lógico que gostava das histórias e vibrava com o Capitão Marvel, Super-Homem, Homem-Submarino, Flash Gordon e tantos outros. Ao que me refiro é imaginar ou brincar de ser super-herói – estar na pele dos disponíveis ou dar asas a imaginação e se passar por um novo super-herói.

Agora que já não sou mais uma criança, fico pensando nas conseqüências que o tempo traria para estas criaturas. Não sei se faz parte da constituição dos super-heróis a longevidade e juventude eternas. Se não fizer, deve ser deprimente a manutenção de super-poderes em seres envelhecidos ou com saúde deteriorada.

Imaginem o Flash Gordon, ainda com a capacidade de tele-transporte e com Alzheimer. Se controlar o desaparecimento de idosos sem lembrança, nas vizinhanças, já é difícil o que se dirá de um desaparecimento no espaço. Procurar em milhares de asteróides, planetas e sóis sem nem ao menos desconfiar em qual deles o vovô Gordon, agora já não tão Flash, resolveu passear.

Isso sem falar nas dificuldades ecológicas decorrente das poderosas mudanças de ambiente. Nestes dias de superaquecimento o coitado do Iceman não duraria muito. Se nem os glaciares estão resistindo, imaginem uma pequena geleira ambulante. Logo, logo ele estaria derretido, escorrendo pelo bueiro. Ou quem sabe, dependendo do local onde o fato ocorresse e devido a escassez de água, ele seria sorvido de um gole só pelas crianças da Somália. Pelo menos seria um fim utilitarista e nobre.

E o pobre do Homem-Submarino passar pelo vexame de contaminar o mar, devido à incontinência urinária pós-cirurgia de próstata. E a Mulher-Maravilha peregrinando de consultório em consultório suplicando por uma dose extra de botox ou por um peeling adicional, na tentativa de manter a formosura de outros tempos.

É se para nós, reles mortais e humanos, o tempo é implacável imaginem o que ele não faria com as qualidades e habilidades dos Superes. Nesta hora é que vejo como é bom sem uma pessoa normal.

Foto: retirada de
www.humorbabaca.com.br

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Instantâneos paulistanos (4).

Ainda sobre engarrafamentos. A observação das atividades das pessoas durante os engarrafamentos, em São Paulo, renderia uma série de trabalhos sociológicos de qualidade. Hoje pela manhã tive a oportunidade de presenciar uma cena cuja ocorrência seria impensável há dez ou mais anos atrás.

Num momento de lentidão maior do trânsito observei que o rapaz, no carro ao lado, realizava procedimentos de toucador, explicitamente. Com o auxílio do espelho do carro e uma escova ele fazia um penteado. Não uma simples escovação de cabelo, com o intuito de ajeitá-lo. No lugar deste ato prosaico, tive a oportunidade de assistir a uma refinada montagem do topete, com direito a elaborados floreios da escova, quase como os movimentos da raquete de tênis para desferir golpes certeiros na bola. Numa lenta e descarada demonstração de vaidade o topete foi feito e refeito diversas vezes até completar a obra-prima, sob os olhares atentos da multidão no trânsito.

Sem ferir a virilidade do moço, que a meu ver não ficou comprometida em nada, imaginei a cena seguinte com direito a retirada de sobrancelha e uso de protetor labial. Sem o menor constrangimento. Depois de pronto, à luta. Com certeza o dia seria mais feliz com os retoques na aparência.

Sinal dos tempos.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Cadê o post daqui?

Cadê o post daqui?

O gato comeu. Cadê o gato?

Fugiu para o Uma parte da coisa.


terça-feira, 3 de junho de 2008

Ausência.

Por motivos alheios à vontade, o amigo Otavio andava sumido. Havia abandonado até a nobre tarefa de comentarista. Hoje ele resolveu voltar à atividade, timidamente, comentando os posts dos amigos. Apesar de já ser um alento, tenho certeza que os seus escritos estão fazendo falta.

De alguma maneira me sinto na obrigação de estimular o retorno pleno. Mas de que modo atingir este intento. Resgatar a campanha do PI, agora na versão PO? Dar asas a criatividade e misturar paisagens européias com cantinhos regionais? Qual a melhor maneira de trazer de volta o escrevente?

Quem sabe um estímulo caseiro não desperta a veia criativa do moço. Libertar a imaginação e se perder pelas ruas do Marais, resgatar o gosto dos cafés em Saint Germain, as caminhadas a gauche e a droit do Sena, o por do sol nas Tuileries... Nada como doces lembranças para dar novas forças.

Agora, vamos aguardar. Nem que seja sentado.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Licenças literárias.

Escrever não é fácil. É muito bom, mas fácil não posso dizer que seja. Ás vezes - em alguns casos, muitas vezes - o pensamento não segue um caminho linear e contínuo em direção ao texto. Ele teima em dar voltas, move-se para um lado, para o outro, recolhe-se, envergonhado, para algum canto do cérebro e, finalmente, aparece travestido como uma figura de linguagem.

Figura de linguagem - pelo menos este era o nome atribuído àquelas confusões da escrita que detinham o poder de mudar todo o sentido das palavras e frases com a função de tornar um texto mais erudito, agradável ou brilhante. Isto quando o escrevente tinha o domínio da figura, do estilo e das suas combinações. Senão ficava parecendo conversa de doidos.

Com o passar do tempo, sob a denominação genérica de licenças literárias, houve uma misturança generalizada das figuras formais de linguagem e aportamos num vale tudo de dar dó. Imaginem uma hipálage eufêmica sarcástica com aparência de hipérbato mesclada com epizêuxis.

Recentemente, em textos disponíveis na internet, tive a oportunidade de apreciar duas pérolas, frutos desta licença literária. A primeira em um site culinário, que descreve uma receita, poéticamente denominada de Reine de Sabá. Sem pressa caros leitores, a licença não está ligada ao nome do prato. Depois da descrição formal dos ingredientes e do modo de fazer, o autor culmina com a descrição da apresentação do prato, Deste modo - deixe secar o glacê e cubra com violetas cristalizadas, amêndoas, nozes, damasco cortado em lascas, para ficar como um chão de um bosque no outono. É brincadeira.

A segunda foi num site jornalístico, de uma conhecida senhora gaúcha, a qual dissertava sobre a delicada simbologia das flores até sair com esta frase lapidar - Afrodite, a deusa do amor, zela pelas flores, entre as quais a rosa é o símbolo absoluto do amor, reproduzindo em suas pétalas a maciez da carne de uma mulher jovem. Neste momento caiu a ficha do porque as rosas colombianas são tão volumosas, deve ser para transmitir a maciez da pele das jovens rechonchudas.

Ora vejam, licenças literárias ou exageros descabidos?

Que cada um crie o seu juízo ou escolha a sua posição.