quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Receita para um ano bom.


Apesar da formação, exerço o hábito da receita com muita parcimônia. Por opção, falta de clientela ou, mesmo porque, como não há certeza da obediência, nem em tempo, quantidade ou duração, contento-me com o exercício do conselho. Pelo menos este aceita o disfarce de desejo ou esperança.

Esperança que domina o final de cada ano. Esperanças altruístas que incluem, quase sempre, condições nas quais temos influência limitada. Para além dos votos holísticos e grandiosos de saúde, amor, felicidade e paz a minha receita inclui situação mais mundana, nem por isso menos apreciável ou prazerosa. Uma mistura de simplicidade com satisfação. Não é uma fórmula mágica. Muito menos uma solução. Se não for seguida não acarretará revides, retaliações ou represálias. Para alguns, o ano pode ser imensamente satisfatório na sua ausência. Por isso não é condição necessária. É até dispensável.

Mas quem assumir este compromisso terá a sensação de que o ano será bom por merecimento, não apenas por circunstância. Semelhante a um pacto nupcial, a promessa em seguir a receita garante que ninguém acabará 2009 com as mãos abanando. Garantia de satisfação ou o seu ano de volta.

A receita é muito singela: compartilhe bom-humor. Não guarde apenas para si. Distribua, doe, partilhe, alugue, venda, faça leasing, aplique, plante e colha bom-humor. Não no sentido de galhofar o ano inteiro. Humor compatível com a conjuntura de todos os momentos. Bom-humor na alegria e na tristeza. Na saúde e na doença. Isso mesmo, case com o bom-humor. Todos os dias. O ano inteiro.

E quem não se achar capaz de ou interpretar que não tem bom-humor para oferecer, que busque um compartilhamento invertido – aproxime-se, envolva-se, apodere-se, usufrua do bom-humor daqueles conhecidos bem-humorados. Sem a preocupação de extinguir as reservas do alheio. Este componente é inesgotável. O bom-humor é um poço sem fundo. Sempre há mais de onde brota o tesouro. Como uma reação em cadeia, bom-humor gera bom-humor. E assim por diante.

Alguma dúvida que dará certo?
Experimente e me mande a conta.
Em bom-humor.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Homem do povo.


Algumas pessoas, mormente as que não me conhecem bem, têm a impressão que eu seja um pouco esnobe. O fato de trabalhar sempre de terno e gravata, mesmo no ambulatório do SUS, não me exaltar no trânsito, manter um tom de voz baixo em discussões, tratar todas as pessoas com igualdade – sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição (ta certo, talvez eu tenha copiado uma parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas não considero plágio) podem contribuir para esta percepção. Os doze anos de escolaridade na Suíça, também.

Com a familiaridade esta impressão desaparece. Eu sou uma pessoa do povo. Até tenho gostos comuns. Como prova sincera desta questão alguns amigos procuram me incluir em programas populares. Ilustro este post com a foto da sobre-toalha, usada pelo local que o Otávio escolheu, para o almoço de sábado. Talvez um pouco brega, mas muito singelos o patinho e a caçarola. Ou como dirão os peritos de plantão – naïve ao extremo. O local era simples, mas bem limpinho.

PS: se a pretensão de entrar para a política vingar, vou programar atividades como esta com mais assiduidade. Em pouco tempo ficarei craque em comer pastel de boteco, buchada de bode ou qualquer refeição oferecida pelos eleitores e correligionários. Espero contar com a ajuda dos amigos para reforçar esta imagem positiva.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Vida comprada.

foto by dismorfic, aqui

Compra-se uma vida.

Este o anúncio que poria, se a mídia adequada existisse. Compro uma vida, e pago à vista. Os fornecedores devem se apresentar, munidos de um currículo da vida. Um pouco diferente daquele vitae, exigido para obtenção de emprego. É dispensável, neste currículo, descrever o que já foi feito. Afinal, vida passada, já a tenho. Quero currículos de vidas para o futuro. Este me preocupa. O meu já feito e o meu em feitura não permitem o vislumbre do horizonte desejado. Por isso, compro uma vida. A mais bela vida de futuro. A mais poética, a mais libertária, a mais aproveitável, a mais deliberadamentefuturista. Sem necessidade de vínculo com o que passou. Compro uma vida nova. Mesmo que o proprietário não seja novo. Compro uma vida com vista para o por vir. Nada de vidas de porão, sem luz e com dívidas, das passadas, para saldar. Quero uma vida inteiramente com face leste. Para o nascer do sol. Que lembre, a cada dia, o compromisso de ser um novo. Um novo dia, um novo ser. Dispenso vidas completamente mobiliadas ou com telefone. Dou preferência por vida de cobertura, não pela posição de superioridade, mas pela proximidade do céu. Seja lá o significado que ele tenha estou disposto a visitá-lo, num futuro. Os fornecedores não precisam preocupar-se com a entrega e o vazio da própria vida. Aceito uma vida compartilhada. Até prefiro. Não tiro nada, de ninguém. A escolhida poderá permanecer com o fornecedor. A modernidade permite apenas o fornecimento de uma senha de acesso.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Amizades, afinidades e seleção natural.


Amigo é coisa para se guardar, do lado esquerdo do peito. Assim fala a canção que se ouve na América e em outros lugares. Uma exaltação merecida à amizade. A continuidade da letra refere que tempo e distância não interferem nesta relação. Pelo menos quando ela é verdadeira. Sem crítica a qualidade da música, questiono a mensagem. A amizade descrita como uma forma de sentimento único.

Independentemente de definição ou conceito, encontráveis em dicionários, este sentimento é interpretado e vivenciado de formas diferentes pelas pessoas. Algumas até criam critérios de qualificação e estratificação para amizade, reforçando o princípio da diversidade. Amigo é aquele com quem nos preocupamos, no sentido de estar ou ficar bem. E despendemos energia para isto. Este dispêndio energético pode envolver pensamentos positivos, preces, lágrimas, presença física, transferências bancárias, viagens intergalácticas ou apenas cuidar. Não se mensura uma amizade pelo indicador de “coisas feitas para”. Assim uns são amigos de um jeito e outros de outros. Cada macaco no seu galho. Apenas o compromisso de um se importar com o outro.

Mas será que a amizade deve, sempre, ser acompanhada de reciprocidade de afeto. Com exigências de intensidade, tempo e disponibilidade eqüitativas. Será, mesmo que a amizade deve escorregar para perto da possessão? Não seria possível haver percepções distintas entre os envolvidos, sem a obrigatoriedade de uma correspondência biunívoca, válida para a teoria de conjuntos, mas distanciada das relações humanas? Fulano é amigo de beltrano se, e apenas se beltrano é amigo de fulano. Invoco a existência de uma amizade egoística. Que se basta. Sem cobranças ou reciprocidades. Sou amigo. E o outro? Não sei? Ele que reflita.

Desta forma, também acredito que o processo de amizade sofra influência da seleção natural. Existem amigos que sempre participam da vida de outros e, portanto, permanecem pela eternidade. Outros vêm com o vento e ficam enquanto dure uma afinidade. São amizades transitórias. Nem por isso menos verdadeira ou intensa - apenas com timing diferenciado. Assim são os amores, os ódios e muitos outros sentimentos humanos - uns criam raízes outros passam.

PS: se o Ian tem razão (vide comentário no blog da Lele) e filosofar é um sinal de desejo de vodka, quero a minha na veia.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Os passos do anjo.


Os passos, ninguém lhe escutava. Por isso, aquele anjo andava. Por entre os sonhos. Silencioso. Quase divino. A missão, que lhe haviam dado, era muito importante. Pelo menos foi o que lhe dissera Gabriel naquela conversa derradeira. Daquela hora em diante, e até o fim dos tempos, ele seria um guardião de sonhos. Por isso e para isso percorreria milhões de vezes o mundo. A pé. E as asas? - perguntariam os sonhadores. Essas estavam penhoradas, na agência da Caixa Econômica, numa cidade ao sul do fim do mundo. Junto com os sonhos de quando ainda era humano. O que importava mesmo era andar. Léguas, atrás dos sonhos dos outros. A misturá-los todos ou a evitar que eles deixassem de ser sonhos, movido pelo ciúme ou pelo medo de não cumprir a missão e perder a serventia. Afinal, era apenas um anjo guardador de sonhos.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Animais de estimação.

Lendo as confidências de uma amiga blogueira fiquei intrigado com a declaração de número 30 – eu tive uma galinha chamada Suzana. Não que eu ache impróprio uma galinha ter nome, ainda mais num país onde determinada música decanta as habilidades de uma galinha chamada Sara Lee, que tinha cara de babaca e botava ovo pela cloaca. A minha surpresa não se prende a questão do nome e sim ao vínculo que determinou o batismo do animal. Como na nossa cultura apenas os animais de estimação ganham nome – geralmente próprios - ou apelidos carinhosos, a Suzana deve ter sido mais que uma mera galinha.

Na minha infância tínhamos galinheiro. Na verdade, ter galinheiro era um fato comum naqueles anos. Existiam até meliantes especializados neste ramo – roubo de galinhas. Bons tempos aqueles em que os ladrões roubavam galinhas. A finalidade de termos um galinheiro nunca foi bem clara para mim, pois não me recordo de comer galinhas do nosso próprio galinheiro. Acho até que meu pai, sim ele era o mentor da criação, desenvolvia experimentos secretos com as galinhas, já que elas desapareciam ser serem enviadas para a caçarola (um termo bem apropriado para combinar com a época dos fatos). Ou então, ele as criava para ter um produto rápido de furto para os velhacos não se preocuparem com bens mais valiosos da casa. Quase como um boi de piranha. Ou quem sabe, por causa dos ovos?

Pronto, já perdi o fio. Não era de roubo, nem da inteligência paterna e nem de ovos que eu queria falar. Do que era, mesmo? Ah, das galinhas como animais de estimação. Naqueles tempos também era comum estima por galinhas. E, em casa, não éramos exceção. Cada um dos filhos (somos três) tinha um casal de galiformes. Por motivos que não vêm ao caso os casais não eram de galinhas comuns de quintal. Eram raças especiais, ou pelo menos assim eram vendidas pelo mentor intelectual da criação - Leghorne branca, Rhode Island red e Plymouth Rock barrada.

Só agora me dou conta que apesar da grande estima dedicada aos nossos galiformes eles passaram pela vida inominados. Apenas chamados de galo e galinha. Por isso a minha surpresa pelo fato da galinha da Nanda ter o nome de Suzana. Acho que eu gostaria de voltar no tempo e dar nome para o meu casal – que era o Plymouth Rock barrada, mas como o tempo não volta faço uma penitência pública e, de onde eles estiverem espero pelo perdão.