sábado, 31 de maio de 2008

Títulos e sensações.

Wanderer above the Sea of Fog, 1818
Caspar David Friedrich
Não sei o motivo, mas hoje acordei com o nome de um romancista gaúcho na cabeça. Josué Guimarães. Não foi nenhum fato real que me aguçou a memória, visto que já faz mais de vinte anos que ele não está entre nós. O que é uma pena. Tenho boa lembrança dos seus escritos. Mesmo depois do desastre da transposição para o cinema do seu épico A Ferro e Fogo. A coitada da Jacobina Mentz deve estar até agora se revirando na cova.

Acho que foi a nostalgia dos nomes dos seus romances que me fizeram lembrar do autor. Independente da qualidade da obra, as escolhas dos títulos foram muito felizes. Transmitem, até hoje, mesmo sem lembrar de detalhes as sensações do enredo, das personagens e da ambientação.

É tarde para saber, romance político quase um clichê entre seres de mundos diferentes que não dispõe de todo o tempo para aproveitar os acontecimentos – se alguma coisa poderia ser diferente, é tarde para saber. Enquanto a noite não chega apresenta a longa espera do casal de velhos pelo filho que se perdeu na guerra. Os momentos passam recordando o que já foi e esperando pelo que virá. A falta de alento e futuro é algo tão palpável e certo como a noite que chega. Depois do último trem narra as desventuras do retorno de Eduardo para a sua terra condenada – entre destroços humanos e casas abandonadas ele espera pelo último trem, que há muito já partiu.

Nesta melancólica tarde vou viajar com estas sensações... para um tempo que passou, para um lugar que não tem futuro e para a saudade dos que já se foram. Doces memórias me embalem...

PS: procurando uma bela poesia? clique aqui

domingo, 25 de maio de 2008

Estou ficando preocupado.

Uma boa parte dos spams que chegam a minha caixa de mensagens contém textos com indicações para aumento de pênis, técnicas contra ejaculação precoce ou medicamentos para impotência a preço de custo.

Será que só eu não me dei conta que sou um pobre impotente, apressado e diminuto?

Mas, segundo eles, tudo tem solução.

Tomara!

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Grandes alegrias.

O homem foi feito para ter grandes alegrias. No processo criador, a escolha foi determinante - a criatura estava predestinada a ter alegrias. Na sua fase inicial, os representantes enfastiaram-se com as facilidades disponíveis e, num ato desvairado, determinaram que, nas futuras gerações, as alegrias deveriam ser conquistadas.

E, assim foi. As alegrias deixaram de ser naturais. Nem sempre preparados, os descendentes tiveram de criar um sistema de associação de situações boas com alegrias. Da mesma forma, em outras circunstâncias, a não ocorrência de infelicidades passou a determinar júbilo e regozijo. Com o passar do tempo, a humanidade estabeleceu os seus parâmetros para o ato de alegrar-se. Obviamente com adaptações individuais.

Indevidamente, a evolução criou uma relação diretamente proporcional entre fatos e alegria. Fatos corriqueiros ou básicos = pequenas alegrias e fatos complexos e inusitados = grandes alegrias. O egoísmo também se apoderou desta condição e determinou que quanto mais próxima e relacionada à fonte, maior a alegria. Por isso desaprendemos de nos alegrar com as pequenas situações alheias. O que é uma pena. Algo deve ser feito para resgatar a predestinação às grandes alegrias, recuperando a independência da grandeza dos fatos ou da participação própria.

Boas notícias determinam uma enorme alegria. Mesmo quando não dizem respeito diretamente à gente. Uma boa nova, para as pessoas que a gente gosta, é fonte indiscutível de alegria. Gera um sorriso persistente e, aguça a sensibilidade para as outras alegrias. Uma verdadeira roda-viva de alegrias - pelo dia ensolarado, pela preguiça do feriado, pelas crianças correndo no parque... e, pelos pais abobalhados correndo atrás, como se só isto importasse naquele momento.

Quanta alegria...

terça-feira, 20 de maio de 2008

O encontro das vírgulas.

Na dependência da gramática elas nunca se encontram. As regras são bem claras. Neste caso não há exceção. Sem permissão para as vírgulas estarem juntas. Elas não entendem porque só para elas a proibição. Ao ponto e a vírgula é permitida a convivência. Porque elas não podem? Não deve ser uma questão homofóbica ou puritanismo. Visto que as aspas vivem juntas. Os dois pontos também. Isto sem contar as reticências, que têm liberdade para viverem em grupo, mais de duas e bem juntinhas. Diferentes dos parênteses que, apesar da duplicidade implícita, vivem separados pelas regras sociais, ou melhor, ortográficas.

O motivo dever ser operacional. Algo relacionado à função da vírgula. Responsável pela pausa breve na leitura, o encontro de vírgulas proporcionaria uma pausa mais do que breve. Algo parecido com uma pausa longa. E causaria ciúmes no ponto ou no ponto-e-vírgula. Sem contar a sensação estranha que duas vírgulas provocariam nos leitores – uma espécie de aspas decaídas.

Não definitivamente elas não foram feitas para viverem juntas. Uma pena, mas a combinação impossível.

domingo, 18 de maio de 2008

Figurinha carimbada.

A Chris lembrou, hoje, das figurinhas do chiclete de bola Ping-Pong ou Ploc, que apresentavam combinações de animais, formando uma nova espécie. Na maioria das vezes as novas criaturas eram apenas divertidas. Em outras, eram muito interessantes.

Na mesma linha ela evoca que o comentário de uma amiga levou-a a formar a imagem de uma figura, carinhosamente apelidada de ODILELÊ, composta, essencialmente, da junção de duas figuras interessantíssimas (ok, esta última parte foi um acréscimo de autor). À parte a bela homenagem, ficou faltando mostrar a representação desta figurinha carimbada.

Por isso resolvi satisfazer a curiosidade do mundo. Por favor, senhoras e senhores, retirem da sala as crianças menores e os idosos, pois a revelação pode ser chocante. Não nos responsabilizamos por transtornos causados às pessoas psicologicamente despreparadas.

Distinto público, da imaginação da Chris, diretamente para a blogosfera – o verdadeiro e único ODILELÊ.


PS: este ângulo ficou particularmente bonito, evidenciando que os materiais individuais são estupendos. Substancialmente melhores que a composição.

sábado, 17 de maio de 2008

Eu, sogra.

Como escrevi no post do Dia das Mães, a maternidade também pode ser privilégio de homens. Nada de especial ou diferente das mães verdadeiras. Apenas em outra roupagem. Com méritos iguais e .... defeitos iguais. Pelas condições involuntárias e por escolha pessoal sou um destes homens-mãe. Com muito orgulho. Quanto as desvantagens deste fato, perguntem aos amados rebentos. Nada a declarar.

Só que, agora , me dei conta que esta condição pode ter um agravante. Ao assumir o status de mãe será que ganharei também o ônus de ser sogra? E, se assim for – será que é muito ruim ser sogra. Fico imaginando que tipo de sogra eu seria. Mas este papo é para outra hora. Tenho de elaborar esta questão. No momento estou apenas chocado.

Eu, sogra?

terça-feira, 13 de maio de 2008

Voltar para o ninho.

Dubonnet 1938 Hispano-Suiza

Além das vantagens emocionais de estar filho, o retorno aos pagos tem outros benefícios incalculáveis. A busca da fonte de sapiência materna é uma delas. Com isso volto engrandecido por questões culturais, nem sempre novas mas com uma aplicabilidade inquestionável. Onde mais eu escutaria pérolas como estas:

- o restaurante Calamares ficava vis-avis com a casa da Sofia (a relação vis-avis é muito mais específica do que estar próximo, perto, ao lado. A transposição para relacionamento humano cria um patamar intermediário entre o ficar e a paixão – estar vis-a-vis denota necessidade de proximidade sem intromissão melosa),

- a faca que tu estas usando foi do avô da minha mãe (ensinando que os objetos cortantes para o pão já faziam parte da rotina na era paleozóica inferior. Somando o tempo de todos os envolvidos chegamos a períodos AC);

- o máximo que um cachorro pode fazer é morder o dono, o que caracteriza um dano físico, muito menos importante do que a dor na alma de alguém que convive com um filho drogado (referindo-se ä relação das pessoas entre si e com os animais de estimação, com vantagem nítida para os pets);

- o negócio deles estava muito próspero, até para o estrangeiro eles estavam vendendo (quem mais se refere às exportações, tão admiradas pelo nosso mandatário, como vendas ao estrangeiro, impagável).

Sem contar as inumeras estórias com escroques internacionais que dirigiam Hispano-Suiza e compareciam às festas do Porfírio Rubirosa. Uma viagem incrível.

domingo, 11 de maio de 2008

Dia das mães.


Hoje é um dia especial, para muitas pessoas. Independente de ser alegre ou não. É o dia das Mães. Como a homenagem não é apenas para aquelas que pariram – senão seria o dia das parideiras, as festividades são mais amplas.

Ser ou estar mãe é um estado de espírito e não uma situação meramente conceitual. Para ser mãe basta querer e se sentir mãe. Nada a ver com questões de procriação. Há mães que nunca ficaram grávidas. Outras que, apesar da manifestação biológica, não desenvolveram esta capacidade. Ficaram em outro patamar. Ser mãe é mais do que posse ou dedicação. É a satisfação de participar do processo criativo, desinteressadamente.

Há homens que são mães. E. com desempenho muito satisfatório. Nada mais saudável do que acrescentar ao perfil masculino uma pitada de maternidade. Engrandece, enobrece e estimula. O mistério dos 3 Es não deve ser um privilégio feminino. A humanidade deveria fomentar o sentimento maternal. Estaríamos bem melhor.

Parabéns a todos pelo Dia das Mães.

sábado, 10 de maio de 2008

Alento para as gulosas?

Apesar da presença de gordura subcutânea, logo abaixo da pele das nádegas, reduzir o risco de diabetes tipo 2, segundo estudo recentemente publicado por especialistas da Harvard Medical School, tenho certeza que a parte meramente estética falará mais alto. E, milhares de beneficiadas procurarão os cirurgiões plásticos para eliminar esta fonte de proteção.

Até agora o sucesso das experiências, em ratos, mostra que a gordura subcutânea tem um efeito protetor nos níveis de açúcar e melhora a resposta à insulina. O que, francamente, não quer dizer muita coisa para uma jovem senhora que se encontre com visual semelhante ao de uma musa do Botero. O que vale mais – uma coisa boa contra o diabetes ou um corpinho de modelo?

Não se pode esquecer que o estudo não demonstrou qualquer prejuízo com a ausência de gordura. Deste modo, gulosas de plantão acautelai-vos! O Ministério da Saúde adverte – a gordura subcutânea nas nádegas pode causar danos. Psicológicos ou no bolso. Não se deve esquecer que tudo na vida tem o seu lado negativo, promessa de pessimista.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Antiguidades.

Qual o tempo que um objeto precisa para se tornar uma antiguidade? E aumentar o seu valor? Saibam os maldosos de plantão que não tenho nenhum interesse pessoal na questão. Mesmo porque é sabido que os objetos sexuais perdem o seu valor com o passar do tempo. Então, pessoalmente, me lixo para o tempo. Ele que passe como quiser.

Voltando ao problema inicial. Assim como os seres vivos, os objetos também têm o seu ciclo de vida. Exceto aqueles consumidos integralmente em um determinado momento ou com durabilidade limitada. A data de validade é determinante. Bem, os outros cacarecos sofrem de uma transformação estupenda quando chegam ao limite da passagem de idade – de velharia a antiguidade.

Tenho uma travessa Goyana azul cobalto que me acompanha deste Porto Alegre. Do ponto de vista estético ela é muito feia. Vale pela sua utilidade – saladeira, guarda-sobras, tigela de mantimentos e várias outras funções. Apesar da funcionalidade e do vínculo afetivo o seu valor não passa de míseros reais. A não ser que o tempo decorrido a classifique como antiguidade.

Acho que vou procurar um antiquário e fazer uma avaliação da travessa. Posso ter uma surpresa e custear a minha próxima temporada parisiense com o fruto da transação. Isso se tiver coragem de me desfazer desta verdadeira relíquia. Só de pensar me vem água aos olhos. Pensando bem acho que a casa merece uma antiguidade a mais. Afinal, já tem algumas velharias permanentes, mesmo. Mais uma menos uma, que mal faz.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Pessoas e laços.


Eu gosto das pessoas. Assim sem compromisso ou relacionamento afetivo. Em caráter plural e singular. Com isto gosto da humanidade do mesmo modo com que gosto da vendedora de flores da esquina ou do motorista de táxi ou da velha que atravessa a rua. Dos que são amigos e dos que ainda não se tornaram.

Alegra-me encontrar pessoas, sorrir para elas. Cumprimentá-las e olhar dentro dos seus olhos. Sem tentar me apoderar das suas mentes ou com interesses secundários nos seus corpos. Gosto de apreciar o que elas têm de bonito e descobrir as partes feias. O encantamento é semelhante, visto que desinteressado o feio traz euforia tanto como o belo.

Gosto da vida das pessoas. Do passado, do presente e do futuro delas. E, principalmente gosto de saber sobre estes tempos. Poderia passar horas a escutá-las, em silêncio. Ou quase isso. Quem me conhece sabe que eu adoro um comentário, aparte, adendo ou retruque. Sem falar nas simples perguntas de estímulo, que ao final são estimulantes para mim.

Gosto até das pessoas que não gostam delas mesmas. Com maior relutância, mas com interesse semelhante. Vale a pena gostar das pessoas. Com equilíbrio e com gosto espontâneo e verdadeiro. E, assim vamos criando laços.

sábado, 3 de maio de 2008

Bem-aventuranças (2).


Bem-aventuradas aquelas que conseguem fazer um crumble de maçã, sem ligar para Laila, pois elas alcançarão a misericórdia.

Bem-aventuranças (1).


Bem-aventurados os que têm apenas lata de arenque ao molho de páprica picante na despensa, porque eles serão saciados.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

O que diz o vento.

A vida inteira quisera saber o que o vento dizia. A natureza lhe havia privado deste dom. O som era completamente vazio, para ela. Do vento, apenas uma brisa era sentida. E a manutenção da sensação tátil não lhe servia de consolo. Na verdade era uma forma ingrata de lhe mostrar a outra limitação. Imaginava, sonhava, mas não ouvia.

O amor trouxe a remissão na pessoa do outro. Acaso não era só isso o amor. A realização da pessoa, no outro. Os desejos transferidos e, por isso, realizados. O gosto e o desgosto compartilhados. Por ele soube como eram os sussurros, os cantos, as reticências e os poemas que só o vento sabe trazer. De onde, ninguém nunca soube. Mesmo assim não era real. Não era o seu vento.

Agora, já no apagar das luzes, ela escrevia as últimas vontades. Na verdade a última. Uma única só. Que as suas cinzas fossem jogadas ao vento, num dia de tormenta. Talvez, assim, liberta das limitações naturais, possa, finalmente, ouvir o vento. E esperar, ardentemente, que o seu vento não seja mudo.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Eu não engoli a dica.

A modernidade é uma das coisas mais fascinantes dos dias atuais. Hoje é possível reservar ingressos para os principais acontecimentos mundiais com apenas alguns cliques. Com boa vontade e interesse se descobre fatos da vida de qualquer pessoa, desde que ela seja famosa. Às vezes, mesmo sem buscas intensivas, depara-se com terapias alternativas para solidão, aplicáveis, em princípio, à jogadores de futebol. Enfim, o mundo está ao alcance dos nossos dedos.

Como sou um curioso por natureza, sempre fico atento às dicas dos amigos. Com este espírito e com uma ansiedade quase infantil busquei refúgio num site indicado pela Chrises – o cookthink.com. A promessa era de que bastava inserir nomes de ingredientes ou alguma inspiração de cozinha ou mesmo um estado de humor e as sugestões apareceriam como num passe de mágica. Enfeitadas por fotos deslumbrantes. Acho que exagerei um pouco, as fotos seriam lindas.

Nesta amanhã cinzenta do feriado trabalhista, com a geladeira abarrotada de víveres a serem aproveitados, resgatei a indicação e lá fui. Quanta desilusão. Não sei se foi por incompetência, mas não consegui absolutamente nada. E olha que segui às instruções, direitinho. O site é bem amigável. Na aparência. No fundo é um anglólatra, desmedidamente egocêntrico.

Primeiro tentei com os ingredientes. Digitei carne de sol + macaxeira + pupunha. Ele me retornou flourless chocolate cake. Confesso que não consegui encontrar nenhum dos meus ingredientes na receita apresentada. Imediatamente pensei – sua besta estes ingredientes são de cozinha regional. Tente algo mais internacional. Mesmo sem ter uma Madonna na geladeira. Recordando da receita compartilhada com o catalão inclui cajá + tartaruga. Apesar do retorno de uma receita indicada como do Brasil, não obtive o que desejava.

Será que estava fazendo algo errado? Passei para os dishes. Tentei coisas simples, como frigideira de pitu, e sofisticadas como taiollete de paca rubra. Sem resultados. Já um pouco desestimulado procurei apelar para os estados de humor. Tentei sucessivamente ciclotimia, dispareunia, transtornos dissociativos, hiperfagia, bulimia. Nada. Confesso que nem pesquisei transtornos comportamentais devidos ao uso de solventes voláteis.

Depois de várias tentativas fui me dar conta – será que o desempenho dele seria melhor com o uso de termos na língua inglesa? Porém o encanto já havia desaparecido. Talvez em outro feriado.