sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Instantâneos paulistanos (3).

A neta Maria Rita dirigia o carro até o ponto que ele mandava. Dali em diante seguia a pé. Gostava de caminhar. Ia devagar e cuidadosamente. Mais pela dificuldade de enxergar do que por cansaço ou fraqueza. Tinha já 88 anos, completados em julho. Chegara em São Paulo quando a cidade ainda não tinha começado a crescer. Nordestino, sem estudo e com uma experiência em construção, logo foi admitido como ajudante de pedreiro. Fez carreira na construção civil. Em 10 anos era mestre de obras. Ao longo de 50 anos muito tijolo, cimento, areia e cal passaram por suas mãos.

Boa parte dos edifícios da cidade teve a participação dele. O edifício Altino Arantes, era obra sua. Assim como vários outros que receberam nomes das empresas ou dos arquitetos. Em nenhum havia sinal da sua participação. Uma placa, uma citação em livro ou jornal. Nada. Os anônimos construtores, os verdadeiros construtores estavam esquecidos.

Ele lembrava de detalhes de cada um deles. Da morte dos colegas no acidente do Palácio Anchieta. Do Stela Maris, na praça da Sé. Na paulista do Banco de Tokyo, da FIESP, Conjunto Nacional, Center Três. Recordava a dificuldade dos alicerces de uns e da rapidez da construção de outros. Agora recordava dos milhares de argamassas preparadas e colocadas para que os gigantes nascessem e crescessem. Quantas horas trabalhadas. Quanto suor, quanto sangue de gente desconhecida.

Durante um tempo pensou em estudar e ver se conseguia botar nome ou lembrança em algum dos prédios. A vida, a família as dificuldades reais e as construídas - nisso ele também era bom - não permitiram. E foi ficando como mestre de obras até parar de trabalhar. Agora já perto de ver o mundo do outro lado gostava de passear pela cidade e ver o que tinha feito. Talvez no fundo esperasse escutar, um dia, de alguém, parado em frente de alguma destas obras referência a ele ou seus colegas. Mera ilusão.

O reconhecimento não viria. Por isso procurava guardar as lembranças para quando os olhos não vissem mais. A sua obra, que ninguém conhecia. Só sua.

6 comentários:

roberto bezzerra disse...

Tenho uma grande admiração pelos "heróis" anônimos. Por quem fica na cozinha fazendo uma comida maravilhosa para a dona da casa receber elogios de convidados...
por quem fica atrás das câmeras, para que a imagem chegue até nossa casa perfeita e eloqüente.Admiro muito o funcionário que tem uma idéia brilhante e o chefe é quem é cumprimentado...A vida é cheia de avôs de Maria Rita...

Adriana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Adriana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Adriana disse...

Eles são heróis em sobreviver com o que ganham.Somos todos construtores anônimos,mas o que importa é a obra pronta,mesmo quando não somos reconhecidos como autores

Lele disse...

Olá!
Tem convite pra vc no blog:
http://hsordili.blogspot.com/2007/11/meme-da-ilha-deserta.html

bjs

Adriana disse...

Tem convite no blog:

http://tresmarias-anovaes.blogspot.com/