Não se trata de outra receita. O título do post refere-se a um acontecimento que foi puxado da memória pela remembrância do molho béchamel. Outra das infindáveis agruras, pelas quais passamos até chegar ao reconhecimento e fama internacional.
Era uma vez, dois aprendizes de chef que resolveram, estimulados pelo mais saliente, preparar uma vitela. Não uma simples vitela, uma vitela au vin. Antes que os politicamente corretos exclamem – carne de vitela, quanta maldade – eu devo salientar que, apesar do processo de obtenção do vitelo ser essencialmente cruel, eram outros tempos, outra consciência. Caso sirva de consolo, depois desta experiência nunca mais preparamos vitela e nem mesmo comemos. Só não posso afirmar que a motivação tenha sido toda por consciência da barbárie com o animal. Acho que o dissabor da tentativa foi responsável por boa parte da rejeição.
Vamos aos fatos. A receita escolhida indicava que a carne deveria ter um pernoite em vinha d’alho. Assim procedeu-se. Para dar mais sabor à carne optou-se por um vinho especial, de safra selecionada e trazido da cave de um amigo gaúcho. Ao líquido foram acrescentados diversos temperos com nomes estranhos e que precisavam de biquinho para serem pronunciados. Claro, e o popular alho.
Marinheiros de primeira viagem resolvemos acompanhar, de perto, a marinada da carne. Com determinada freqüência espiávamos para verificar se estava tudo bem. Na primeira olhadela ficamos com a impressão de que a cor da carne estava variando. A segunda reforçou um pouco mais a impressão. O mais saliente, que também se julgava o mais experiente, invocou uma explicação relacionada com a reação química do tanino do vinho com os radicas sulfetos livres, devido a baixa quantidade de ferro na vitela. Ou então a luminosidade da geladeira que distorcia o prisma das cores.
Com o passar do tempo a impressão foi ficando cada vez mais sedimentada. Passou de impressão a realidade – a vitela estava ficando púrpura. A sagrada cor dos bispos, símbolo da penitência. Como não houve modificação do aspecto ou do odor do alimento e nem mesmo sabíamos se este fato implicava um problema resolvemos preparar a vitela assim mesmo. Ao forno. Quarenta e cinco minutos de forno médio e dez de fogo alto para dourar. Pairava a dúvida se a cor púrpura, sob efeito do calor, assumiria a cor dourada. Mas pagou-se para ver. Realmente, pagou-se caro para ver.
Já nos primeiros quinze minutos de cozimento o púrpura tornou-se um roxo lúgubre. Nova explicação química salientava que o processo de aquecimento dos polifenóis ou dos flavonóides poderia causar, transitoriamente, esta mudança de cor. O resfriamento discreto após a retirada do forno garantiria o retorno a uma cor mais adequada, salientou o saliente.
Mais adequada? – questionou o auxiliar. Mesmo o retorno ao tom púrpura anterior carecia de adequação. A não ser num jantar para o Sínodo Latino-americano. A preocupação começou a tomar conta do ambiente quando apareceram veios azulados. Agora estávamos diante de um vitelo tricolor – roxo, púrpura e azul. O que daria um contraste impressionante com o amarelo das batatas e o verde do brócoli, que serviriam de acompanhamento.
Neste momento tinha-se a impressão de estar diante de algum alienígena de filmes de ficção, classe D. Sem crescer ou mudar de forma o ser assumia todas as combinações de cores imagináveis. Mesmo alguns minutos depois, quando abrimos a tampa da lata de lixo, ainda podia se notar discretas modificações da tonalidade da carne que, agora, variava do sépia ao marrom escuro. O auxiliar ainda questionou se não seria mais adequado dar uns tiros naquilo. Achei que não era preciso. Até agora o ser não retornou.
Era uma vez, dois aprendizes de chef que resolveram, estimulados pelo mais saliente, preparar uma vitela. Não uma simples vitela, uma vitela au vin. Antes que os politicamente corretos exclamem – carne de vitela, quanta maldade – eu devo salientar que, apesar do processo de obtenção do vitelo ser essencialmente cruel, eram outros tempos, outra consciência. Caso sirva de consolo, depois desta experiência nunca mais preparamos vitela e nem mesmo comemos. Só não posso afirmar que a motivação tenha sido toda por consciência da barbárie com o animal. Acho que o dissabor da tentativa foi responsável por boa parte da rejeição.
Vamos aos fatos. A receita escolhida indicava que a carne deveria ter um pernoite em vinha d’alho. Assim procedeu-se. Para dar mais sabor à carne optou-se por um vinho especial, de safra selecionada e trazido da cave de um amigo gaúcho. Ao líquido foram acrescentados diversos temperos com nomes estranhos e que precisavam de biquinho para serem pronunciados. Claro, e o popular alho.
Marinheiros de primeira viagem resolvemos acompanhar, de perto, a marinada da carne. Com determinada freqüência espiávamos para verificar se estava tudo bem. Na primeira olhadela ficamos com a impressão de que a cor da carne estava variando. A segunda reforçou um pouco mais a impressão. O mais saliente, que também se julgava o mais experiente, invocou uma explicação relacionada com a reação química do tanino do vinho com os radicas sulfetos livres, devido a baixa quantidade de ferro na vitela. Ou então a luminosidade da geladeira que distorcia o prisma das cores.
Com o passar do tempo a impressão foi ficando cada vez mais sedimentada. Passou de impressão a realidade – a vitela estava ficando púrpura. A sagrada cor dos bispos, símbolo da penitência. Como não houve modificação do aspecto ou do odor do alimento e nem mesmo sabíamos se este fato implicava um problema resolvemos preparar a vitela assim mesmo. Ao forno. Quarenta e cinco minutos de forno médio e dez de fogo alto para dourar. Pairava a dúvida se a cor púrpura, sob efeito do calor, assumiria a cor dourada. Mas pagou-se para ver. Realmente, pagou-se caro para ver.
Já nos primeiros quinze minutos de cozimento o púrpura tornou-se um roxo lúgubre. Nova explicação química salientava que o processo de aquecimento dos polifenóis ou dos flavonóides poderia causar, transitoriamente, esta mudança de cor. O resfriamento discreto após a retirada do forno garantiria o retorno a uma cor mais adequada, salientou o saliente.
Mais adequada? – questionou o auxiliar. Mesmo o retorno ao tom púrpura anterior carecia de adequação. A não ser num jantar para o Sínodo Latino-americano. A preocupação começou a tomar conta do ambiente quando apareceram veios azulados. Agora estávamos diante de um vitelo tricolor – roxo, púrpura e azul. O que daria um contraste impressionante com o amarelo das batatas e o verde do brócoli, que serviriam de acompanhamento.
Neste momento tinha-se a impressão de estar diante de algum alienígena de filmes de ficção, classe D. Sem crescer ou mudar de forma o ser assumia todas as combinações de cores imagináveis. Mesmo alguns minutos depois, quando abrimos a tampa da lata de lixo, ainda podia se notar discretas modificações da tonalidade da carne que, agora, variava do sépia ao marrom escuro. O auxiliar ainda questionou se não seria mais adequado dar uns tiros naquilo. Achei que não era preciso. Até agora o ser não retornou.
3 comentários:
E não é exagero do amigo. Mesmo tirando toda veia dramática do autor, os fatos aconteceram exatamente assim. Da exaltação das cores ao gran finale, tudo ocorreu da forma descrita. Ele só esqueceu de contar que no suntuoso jantar, ao invés de vitela au vin, comemos mesmo foi uma pizzazinha básica pedida as pressas no delivery. Com muitas risadas, lógico.
No meu almanaque está faltando a folha que tem esta história...
Ainda bem que existem as pizzas!!
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