segunda-feira, 2 de junho de 2008

Licenças literárias.

Escrever não é fácil. É muito bom, mas fácil não posso dizer que seja. Ás vezes - em alguns casos, muitas vezes - o pensamento não segue um caminho linear e contínuo em direção ao texto. Ele teima em dar voltas, move-se para um lado, para o outro, recolhe-se, envergonhado, para algum canto do cérebro e, finalmente, aparece travestido como uma figura de linguagem.

Figura de linguagem - pelo menos este era o nome atribuído àquelas confusões da escrita que detinham o poder de mudar todo o sentido das palavras e frases com a função de tornar um texto mais erudito, agradável ou brilhante. Isto quando o escrevente tinha o domínio da figura, do estilo e das suas combinações. Senão ficava parecendo conversa de doidos.

Com o passar do tempo, sob a denominação genérica de licenças literárias, houve uma misturança generalizada das figuras formais de linguagem e aportamos num vale tudo de dar dó. Imaginem uma hipálage eufêmica sarcástica com aparência de hipérbato mesclada com epizêuxis.

Recentemente, em textos disponíveis na internet, tive a oportunidade de apreciar duas pérolas, frutos desta licença literária. A primeira em um site culinário, que descreve uma receita, poéticamente denominada de Reine de Sabá. Sem pressa caros leitores, a licença não está ligada ao nome do prato. Depois da descrição formal dos ingredientes e do modo de fazer, o autor culmina com a descrição da apresentação do prato, Deste modo - deixe secar o glacê e cubra com violetas cristalizadas, amêndoas, nozes, damasco cortado em lascas, para ficar como um chão de um bosque no outono. É brincadeira.

A segunda foi num site jornalístico, de uma conhecida senhora gaúcha, a qual dissertava sobre a delicada simbologia das flores até sair com esta frase lapidar - Afrodite, a deusa do amor, zela pelas flores, entre as quais a rosa é o símbolo absoluto do amor, reproduzindo em suas pétalas a maciez da carne de uma mulher jovem. Neste momento caiu a ficha do porque as rosas colombianas são tão volumosas, deve ser para transmitir a maciez da pele das jovens rechonchudas.

Ora vejam, licenças literárias ou exageros descabidos?

Que cada um crie o seu juízo ou escolha a sua posição.

2 comentários:

Ana disse...

Confesso que gostei da descrição poética da decoração do prato. "O chão de um bosque no outono" torna qualquer doce mais saboroso. O paladar está também nas palavras.
Um beijo, Odilon.

Otávio disse...

O que é que a Rainha de Sabá tem a ver com isto? Salomão que explique este mistério, ele era bom nisto, não era? ...não, acho que era outro. Mais de qualquer forma, concordo com você, o povo anda exagerando mesmo.

Gostei da imagem.