quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Autismos sociais.

O homem é um ser social. Por isso, em todos os períodos de seu desenvolvimento cria instrumentos para se adaptar, da melhor forma possível, à sociedade. Dotado de raciocínio e capacidade de fazer escolhas ele seleciona, traduz ou cria a sua “melhor forma possível”, sem ruptura da própria identidade. O apelo do pertencimento grupal determina a sua adaptação.

Desta forma pode-se afirmar que o “ser social” implica um processo de ajuste individual com aceitação de compromissos e regras coletivas, que deveriam fazer parte das atitudes e atividades exercidas no convívio social. Infelizmente, para algumas pessoas esta questão não é vista desta maneira.

O autismo é uma desordem que afeta a capacidade da pessoa se comunicar, estabelecer relacionamentos e responder apropriadamente ao ambiente. Pode se caracterizar como uma doença infantil ou manifestar-se como um sintoma em doenças psiquiátricas. Estes casos, sem nenhuma participação de voluntariedade, apesar do isolamento e ruptura social merecem o respeito e o auxílio de toda a sociedade.

Entretanto, existem alguns indivíduos que ao invés de aceitarem e praticarem as regras e compromissos, indispensáveis para a transformação em ser social, optam por um comportamento antagônico e passam a agir como se a sociedade tivesse obrigação de aceitar um novo padrão comportamental, centrado na sua pessoa. Este grupo foi muito bem definido como autistas sociais, pela amiga Lele.

Longe de formar um grupo homogêneo, o autismo social incide de formas diferenciadas. Uns incorporam todas as manifestações do autismo clássico e repelem a reciprocidade social. Resolvem usufruir apenas dos direitos. Deveres? O que são deveres? Com isso, tudo podem. Os princípios da convivência social funcionam apenas como um reforço da vassalagem que os outros componentes do grupo devem a eles. Os por favores, os com licenças, os obrigados assumem uma via de mão única. Desculpas, nem pensar.

Outros sujeitos revelam a sua face autista com convicções e certezas de que somente a opinião deles tem valor ou deve ser levada em consideração. Sempre tem razão. Não admitem contrariedades ou discussão. Fazem uso estereotipado e repetitivo da linguagem no que concerne a auto-elogios e demonstrações de poder, prestígio econômico ou de relacionamento. Tudo seu é melhor. Os vícios passam a virtudes. Também eles sentem-se no centro do mundo.

Em comum, estes dois grupos têm o desdém pelos demais coadjuvantes sociais, a percepção de perfeição e o fato de que nunca incomodam. Pena que exista o resto do mundo para atrapalhar.

Como exercício de cidadania faça a sua lista dos autistas sociais conhecidos e procure desenvolver formas de combatê-los. A Humanidade agradece.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Altos e baixos.

Up and Down

Não, por mais que tentasse, nunca conseguia uma constância em nada.
Não sabia se o ir e vir dependia meramente de forças físicas ou se a vontade era mais forte.
A ânsia do outro lado. O sonho do que não está.
Quando no alto, o baixo chamava tentador. Quando o fim do vale se avizinhava, algo impelia para o outro lado. Até parecia coisa de repulsão de pólos.
E entre o alto e o baixo existia o mundo para ser saboreado. Por isso não ficar.
A permanência, mais que a inconstância, era dolorosa.
Mas, não seria assim no fim dos dias.
O horizonte constante e imutável chegaria, inexoravelmente.
A serenidade triunfaria.
Bem, daí já estaria crescido e nada mais teria importância.

PS: este texto foi publicado originalmente em outra circunstância, como comentário no blog do Guilherme. Como o exercício de narcisismo da semana, publico novamente.

Imagem disponível no site http://www.sgeier.net/fractals/index05.php vale a pena ver as outras.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Perguntas indiscretas.

Encontrei hoje em um site uma brincadeira sobre as cinco perguntas femininas com potencial de gerar maiores confusões. O autor em questão dá a sua versão sobre a forma politicamente correta de respondê-las e alguns exemplos de situações com alto potencial de belicosidade. Como achei interessante o exercício vou tentar replicá-lo aqui, com a minha versão dos fatos.

Para efeito didático (como é difícil perder este vício) vou apontar cinco possibilidades de resposta, em cada uma das perguntas, e deixar ao encargo dos leitores a escolha daquelas que são aceitáveis e as com potencial de divórcio. Gostaria de salientar que um exercício, com a ótica feminina sobre as perguntas masculinas mais conflitantes e suas respostas maravilhosas, seria muito bem vindo. Vamos às questões:

No que você está pensando, bem?
(a) em como eu vou pagar a fatura do seu carro, (b) na boca da Angelina Jolie, (c) em como você é estúpida de vez em quando, (d) na sua mãe, que velha chata meu, (e) em como é grande o nosso amor.

Você me ama?
(a) claro que não, (b) veja bem, vamos analisar o contexto, (c) o que você gostaria de escutar? (d) se eu disser que sim, você me deixa em paz? (e) mais do que a mim mesmo.

Estou gorda?
(a) esses quilinhos a mais ficam bem em você, meu amor, (b) claro que não, querida, (c) bem, pra magra você não dá, (d) pó, se olha no espelho, Orca, (e) para de perguntar e passa por debaixo da roleta.

Você acha ela mais bonita do que eu?
(a) se não achasse não tava olhando, (b) são belezas diferentes, (c) a qual delas você esta se referindo, (d) só tenho olhos para você, querida, (e) eu lá sou espelho de bruxa, pra responder quem é mais bonita que você.

O que você faria se eu morresse?
(a) primeiro enterrava, depois uma baita festa, (b) sacava o seguro e viajava no dia seguinte, (c) uma rifa com o monte de roupa que você me fez comprar, (d) me mudava para casa da outra, (e) pediria a Deus para ir junto.

domingo, 27 de janeiro de 2008

As tardes de domingo.

As tardes de domingo tem um que de melancolia que encanta ou entristece. A mim encanta. A depressão do recomeço da semana passa bem longe.

A mim encanta o aproveitamento desta languidez do final do fim-de-semana. Encantam-me os sóis se pondo invariavelmente de forma diferente dos outros dias. Lembrando um adormecer extenuado. Pela missão de colorir o dia de tantos. Ele não se põe, se esgota suavemente. Finda. Como a criança que capota após uma jornada de travessuras.

A mim encanta a sensação involuntária ou o desejo intencional de não fazer nada. Aproveitar a passagem do tempo sem uma missão. Passar junto. Simplesmente estar, sem ter de funcionar. Objetos funcionam, pessoas vivem. Sem a obrigatoriedade de qualquer atividade. Ou de todas as atividades. Neste instante sublime o tudo e o nada são possíveis. Se não quero ler, escuto. Se não quero caminhar, penso. Exerço a liberdade de escolher o que não existe. E aproveito o fato.

A mim encanta saber que, independente de vontade ou decisão, dentro de poucos dias haverá um novo momento destes. Encantadoramente melancólico.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Poema de um amigo.

Mar ó meu mar

As minhas lágrimas te completam,
salgadas como as tuas águas
e infinitas como o teu corpo.

A ti lanço as minhas culpas,
que retornam no movimento das ondas,
como oferendas lúgubres.

Traído sou com o que és
constante e repulsivo em tuas marés,
aquieta-te, como o meu coração cansado.

Samuel Dench, 1963

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Sobre manhãs que não voltam mais.

Venho de um tempo em que o dia era dividido em manhã, tarde e noite. Saliento este fato porque nos dias de hoje não há mais divisões neste período de tempo. A maioria das pessoas sai a uma determinada hora de casa e retorna bem mais tarde. Existe apenas o período de trabalho e o período de não trabalho.

Enquanto ainda tenho memória, lembro o passado. Sem criá-lo. Naqueles dias existiam as manhãs, que eram as partes do dia compreendidas entre o despertar e o almoço. Alguns devem estar estranhando, pois ainda acordam, ainda almoçam e consideram o intervalo, entre um e o outro ponto, como manhã. Astronomicamente estão com a razão, sentimentalmente não.

Os pontos delimitadores da manhã, praticamente não existem. Atualmente simplesmente acorda-se. Não há mais despertar. Não no sentido de abrir-se para um novo momento com expectativas estimulantes, sair de um estado de dormência. O mundo parece que não está vivo antes do meio da manhã. Existe movimento, atividades, até decisões são tomadas, mas ainda no torpor do dia anterior. Uma continuidade nefasta. Sem nenhuma promessa de novo.

Onde ficou aquela esperança pelo bom-dia, a alegria de rever o sol, o desejo de semitons cinzentos, a sede das cores que mudavam com as estações? Definitivamente perdeu-se o despertar como promessa da renovação. Atingimos o patamar de linha de montagem existencial. Tudo é meramente uma continuidade.

E o que dizer do almoço? Para uns deixou de existir a muito tempo, até com uma ponta de orgulho produtivo. Enaltecem os conceitos de - há anos eu não almoço, para que perder tempo, o meio-dia é um momento de maior pique. Para outros é o cumprimento de uma rotina alimentar direcionada para a subsistência e para não determinar uma perda de rendimento na parte da tarde. Saco vazio não para em pé. A máquina não funciona sem combustível. Apenas mais um componente da equação energética indispensável para a sobrevivência.

Almoçar em casa? Nem pensar. Utilizar o tempo para encontrar pessoas queridas e fazer uma escolha alimentar tornou-se um luxo. Mastigar, fazer digestão, saborear são verbos incompatíveis com esta refeição. E deste modo perpetua-se a continuidade. Sem despertar e sem almoço perde-se a noção do tempo.

E nostalgicamente clamo, para onde foram as manhãs?

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Memória e passado.

Vendo hoje os melhores blogs do provedor português SAPO, deparei-me com esta constatação descrita no Rouxinol do Pomar – só há passado se houver memória. Num primeiro momento esta afirmativa pode até parecer surreal, de tão óbvia. Com tempo para reflexão o significado assume contornos diferenciados.

O primeiro deles diz respeito à utilidade da abdicação da memória. Principalmente quando fictícia. Ela permite o desligamento das lembranças de um passado real e a reestruturação de uma nova memória. O que não existe torna-se substituível. O esquecimento possibilita a criação de uma memória conveniente e, consequentemente, de um novo passado. Fundamentado em experiências de sucesso atual ou para impulsionar um futuro vantajoso é possível reescrever o que já aconteceu. Em diversas oportunidades, isto é o que acontece com a história. Depois das vitórias, a memória dos vitoriosos se perpetua. A verdade passa a ser a do vencedor, mesmo quando totalmente alheia à realidade. E dá um trabalho revirar a memória em busca do passado correto.

O segundo reflete a melancolia e o pesar pela perda genuína da memória. Se eu sou eu e a minha circunstância, como bem ponderou Ortega y Gasset, a perda do remoto comprometerá o eu presente e futuro. A construção da identidade pessoal tem uma contribuição preponderante daquilo que vivemos, fomos, pensamos e quantas mais ações ocorridas no passado. E o seu resgate necessita de uma memória intacta e fidedigna. O sistema de indexação e busca de acontecimentos, fatos e percepções passadas não pode ter descontinuidade sob o risco da ocorrência de um fenômeno similar ao descrito anteriormente. O que não existe torna-se substituível. Agora não mais de uma forma imaginária. Concretamente o vazio necessita ser preenchido. A incessante busca de uma memória perdida, além de não resgatar o passado determina uma crise de reconhecimento da própria circunstância, e a sua substituição. Com todas as conseqüências desastrosas.

Desta forma, o resultado mais nocivo da perda de memória não é somente não haver passado. É o espectro de um novo passado, mesmo quando construído por vontade ou necessidade.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Sai uma caixinha aí, doutor.

Acostumadas com o uso indiscriminado de doutor as pessoas transformam o termo em forma de tratamento e deixam de se importar com quem merece ou tem o direito ao uso do título. E como a língua é uma questão de usos e costumes, que os falantes sejam os donos do idioma.

Desta forma é salutar a aceitação do uso popular da palavra. Não cabe discussão improdutiva de a quem se aplica o título e nem a imposição de limites para o seu uso. Mesmo por que a prática não causa danos ou transtorno a ninguém. Entretanto é curioso e interessante verificar como evoluiu o costume desta denominação.

Etimologicamente a palavra deriva do verbo latino docere = ensinar. Os primeiros doutores receberam esta denominação, pois tinham o compromisso de ensinar os princípios da fé cristã – eram os Doutores da Igreja. Estes homens, inicialmente em número de 32, eram admirados pelos seus escritos em favor do ensino do Evangelho e da doutrina cristã.

Na Alta Idade Média, em torno dos séculos 11 e 12, difundiu-se o uso do termo entre os estudiosos das leis. Na Universidade de Bolonha, os doctor legis incluíam juristas praticantes e aqueles habilitados para a docência do Direito. Nesta época, a Medicina era praticada de forma desestruturada e nem sonhava em ter os seus doutores. Portanto, por tradição e antiguidade o titulo pertenceria aos advogados e não aos médicos. Esta classe também detém o direito de tratamento por alvará régio, editado por D. Maria I, de Portugal, com extensão para o Brasil.

O modelo acadêmico de reconhecimento do título para os indivíduos que concluem um curso de doutoramento é bastante recente. A primeira estruturação formal de um doutorado data de meados do século XIX, na Friedrich Wilhelm University, de Berlin, sendo aplicado inicialmente para as áreas humanas. A expansão para as áreas de ciências ocorreu no início do século XX.

Com o passar dos anos o termo doutor firmou-se como sinônimo de médico e persiste até os dias de hoje. A utilização da palavra modificou-se muito desde a metade do século passado e, atualmente, existem diversos significados para doutor. O dicionário Houaiss descreve quinze acepções, variando desde pessoa de notório saber até indivíduos com curso completo de nível superior.

Assim depreende-se, das extensões de sentido, que o termo deixou de ter um significado etimológico ou de titulação para assumir o seu papel meramente designativo de condição social. Ou melhor, de condição sócio-econômica. Para alguns brasileiros, doutor é quem tem um carro.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Momento narcisista.

Hoje resolvi dar um passeio pelo meu próprio blog. Isso mesmo, vocês não precisam limpar os olhos, não foi uma ilusão de ótica, vocês leram corretamente. Decidi ler os meus escritos. Os bem antigos e os nem tanto assim. De uma forma descaradamente egocêntrica. Assim deste jeito. Apreciar as minhas obras.

E sabem que gostei do que li. Tem muita coisa boa. Em alguns me emocionei, em outros ri muito. Cada um me trouxe de volta a lembrança dos momentos incríveis da criação. Enfim, foi um divertimento saudável este encontro com o meu eu.

Realmente, me dei conta do exagero quando resolvi colocar um comentário para mim mesmo, num post passado. Eu me amo, eu me amo. Não posso viver sem mim. Foi uma decisão e tanto iniciar este negócio. Conforme eu mesmo escrevi no último post devemos desocultar belezas escondidas. Tenho de fazer alguma ação para divulgar este belo cantinho escondido.

Agora, que estou com a alma lavada e tendo feito um exercício narcisista exemplar, posso passear tranqüilamente pelos meus outros locais de leitura prediletos.

Amigos, aí vou eu!


PS: podem escrever nos comentários que ele está de volta, tem a cara dele, só pode ser coisa daquele. Eu mereço. Orgulhosamente, eu mereço.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Belezas escondidas.

Flores na sala
janeiro de 2008

Hoje pela manhã, passando pela sala de jantar reparei nas flores que estavam em cima da mesa. Essas que aparecem na fotografia ai de cima. Elas são realmente lindas. E ficam escondidas na minha sala de jantar. Tenho certeza que mais pessoas poderiam aproveitar esta beleza, mas não gostaria de transformar a minha sala numa passagem de galeria. A duração desta beleza é limitada. Amanhã, talvez, tenha passado o esplendor. Se eu não encontrar uma forma de mostrá-la, nem que seja na internet, poucos terão aproveitado.

Então parei para pensar que devem existir milhões de belezas escondidas, nos vários cantos do mundo. Belezas em objetos, vegetais, animais, coisas humanas e não humanas. Além destas belezas materiais existem as imateriais. Belezas interiores que ainda não foram descobertas ou que os proprietários relutam em torná-las públicas. O poema não escrito, o sorriso não aparente, o desenho apenas imaginado, a emoção freada e muitas mais que poderiam alegrar o mundo, mas persistem encobertas.

Quanto desperdício, ou quanto egoísmo. Por isso, neste domingo cinzento proponho uma atividade coletiva de desocultamento. Como exercício, olhe para sua volta ou seu interior e revele uma beleza escondida. Valem belezas próprias ou manufaturadas, criadas, compradas, de qualquer jeito e forma. Mostre para uma pessoa, várias, quantas quiser e veja como o mundo se ilumina.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Momentos da vida.

Há muito tempo, nas planícies férteis de Jiangsu, vivia um sábio. De idade indefinida e palavras curtas, a sua vida resumia-se a viver. Uma ocasião, ele encontrou uma mulher que chorava à porta de uma choupana.

O mestre, condoído com o sentimento da mulher, perguntou:

- porque choras pobre mulher?

Levantando a cabeça e movendo o olhar em sua direção, ela respondeu:

- há dois dias, enterrei meu pai. A dor não me dá paz.

Ao que ele, com serenidade retrucou:

- não chores mais, ele não morreu. Só se enterram corpos - a essência da vida e as lembranças são eternas. Ele vive em ti.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Saúde impecável.

As manchetes dos noticiários de hoje estampam a declaração do presidente Lula, após a visita ao grande líder cubano Fidel, sobre a “saúde impecável” do moribundo. Realmente eu não entendi o que a nossa mais alta autoridade quis dizer com isto. A palavra saúde não causa nenhuma estranheza. Afinal é só do que se fala em relação a Fidel. Mas impecável - o que significa?

Se, por acaso, o presidente Lula quis transmitir que a saúde do ditador está muito boa seria melhor não ter apresentado fotos. Elas revelam, nitidamente, um comprometimento de saúde. Se a percepção do presidente Lula para impecável, no sentido de correta e perfeita, realmente for essa eu desejo ao nosso presidente uma saúde impecável, também. Mas não podemos esquecer que o presidente tem certa dificuldade de perceber, de forma clara e transparente, os fatos que ocorrem a sua volta. Talvez por isso o julgamento impecável.

Outra possibilidade é que o presidente Lula tenha se referido ao impecável no sentido de incapaz de cometer pecados. Daí sim, eu tenho certeza que o júbilo será maior. Se aquele que cometeu uma enormidade de pecados capitais e contra, praticamente, todos os mandamentos cristãos (com ênfase a partir do quinto) agora não pode mais cometê-los, devido à saúde impecável, devemos orar para a conservação deste estado. Se assim for, mesmo que ele venha a se recuperar da doença desejamos que ele permaneça, para sempre, impecável.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Pedro e o lobo.

Eu não gosto de preocupar as pessoas. Mesmo involuntariamente. Muito menos as pessoas queridas. Por isso fiquei muito chateado com o resultado de um exercício de escrita, cuja finalidade não era assustar ninguém, mas que saiu pela culatra, que nem o tiro. Uma mensagem estúpida.

Independente do que era a idéia principal, ela não foi percebida. Isto é o que importa. E pensando bem que brincadeira mais besta, meu. Vai fazer exercício de lamentação ou queixa em caixa-prego. Se tiver que dizer alguma coisa mesmo, diga. Não invente. Aqueles que gostam de você se preocuparam, em vão. E podem cansar deste lero-lero. E aqueles que passam por dificuldades devem ter ficado muito contentes de perceber que não tinha fundamento. Olha o respeito, meu!

Inadmissível foi cometer esta gafe. Da próxima vez, mais cuidado. Quem sabe pensar duas vezes. Mesmo que o texto esteja bem escrito, vale a pena? Como as pessoas vão interpretar? A percepção dos leitores é o que importa. É foi muito pesado, maus mesmo. Entre o cérebro e a mão deveria ter uma consciência. Será que ela tava de férias?

Pronto agora já disse tudo o que queria dizer e ouvi, de mim mesmo, tudo o que alguns gostariam de dizer ou escrever, do fato. Assim podemos apagar a má impressão, podemos? O arrependimento é verdadeiro.

Aos preocupados que mandaram mensagens ou aqueles que transmitiram pessoalmente a preocupação, peço as mais profundas desculpas.

Com a promessa de não repetir a dose nunca mais.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Cobiça.

Apesar da maioria das pessoas classificar a cobiça como um sentimento pejorativo e totalmente evitável, eu acho que em determinadas situações ela faz um bem enorme. Em doses homeopáticas a cobiça é estimulante e não traz danos aos outros. Lógico que depende também do objeto cobiçado. Nada de pecados capitais, seculares ou de qualquer ordem. Estou falando de uma cobiçazinha.

Simplória, pequena, até mesmo inútil. Bem, depois deste exercício de exorcismo até me sinto bem de falar da minha cobiça de hoje. Confesso a todos que hoje cobicei o blog do próximo. Ou melhor, dos próximos.

Cobicei, a capacidade de síntese do amigo do Chili verde, a exuberância do Musikal, a desenvoltura do Chrises e, até mesmo a indignação do Três Marias. Todas estas qualidades ficariam de bom tamanho no meu espaço. Mas sabedor de que a cobiça não compensa optei por roubar apenas a alma e não o corpo deles.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Mais comportamento social.

A saga continua, agora, com assuntos diversos.

ao aceitar um prato, nada se diz, mas quando se o declina é de bom tom dizer: não, muito obrigado, desacompanhado dos motivos da recusa. Não é elegante informar que não come aquele alimento nem morto ou que a última vez em que aceitou teve uma diarréia horrível ou mesmo que a aparência dele está estranha ou que parece podre;

apesar de ser um costume bem brasileiro, não é correto elogiar a comida ou a maneira como foi preparada. Principalmente quando você não tem a certeza de que aquela coisa que você acabou de comer seja realmente o que você esta pensando. Mostrar refinamento no paladar só é aceitável em reuniões de degustação;

espinhas de peixe e ossinhos, de modo discreto, voltam na mão para o prato. Da mesma maneira que dentinhos quebrados, pontes móveis soltas, pedaços de talher, chicletes sem gosto e vômitos sólidos. Os vômitos líquidos devem ser retornados ao prato sempre com a colher de sopa;

as conversas à mesa não devem provocar discussões sobre assuntos políticos, religiosos ou de qualquer natureza que possam de algum modo susceptibilizar algum dos presentes. Esta recomendação é válida para divórcios e prenhez fora do casamento. Evite, também, assuntos nojentos, repugnantes, insalubres, repulsivos ou asquerosos. Procure falar sobre o tempo ou poesia não concretista;

evite falar quando esta com o alimento na boca. Na verdade, pior do que uma fala clara com a boca cheia são aqueles sons ininteligíveis que algumas pessoas cismam em fazer para responder perguntas, sem incorrer no erro de falar. Se for imprescindível dizer alguma coisa procure colocar o alimento embaixo da língua e evite consoantes sibilantes, lábio-palatinas ou plosivas (principalmente com a boca cheia de farináceos).

Em seqüência, se tiver anuência do autor, providenciarei a publicação de regras de comportamento social no ambiente de trabalho, no trânsito e nas reuniões de escola de filhos.

Aguardem.

Comportamento social.

Como já comentei anteriormente, apesar de bom cozinheiro não sou dado à postagem de receitas. Sou muito mais ligado em regras de receber bem do que na instrução de uma boa comida. Por isso, pesquiso muito sobre o assunto. Hoje partilho com vocês, em primeríssima mão, algumas regras básicas de boas maneiras à mesa, que farão parte de uma publicação de um autor gaúcho muito conhecido. Por este fato evito declinar o nome do produtor da obra literária. Algumas instruções sobre talheres.

para o uso de talheres valem as regras de posição cartesiana, em relação aos pratos - os que estão mais longe são os primeiros a usar e, naturalmente, os últimos são os mais próximos do prato. Se não eles não seriam colocados deste modo. Procure não se confundir – apesar de serem mais distantes nunca se devem utilizar os talheres do convidado do lado;

o uso da colher é simples: deve encher-se a colher num movimento contrário à direção da borda da mesa, sempre de lado, posição esta em que deverá ser levada à boca. Se o alimento ainda estiver quente não assopre ou fique fazendo rodinhas no ar. Aguarde a mudança de temperatura distraindo-se em conversa ou apreciando os convivas, evitando decotes profundos que podem resfriar o alimento mais do que o desejado;

não se limpam talheres com o guardanapo, antes de serem usados. Mesmo o uso de sprays anti-bacterianos é descortês. Caso se desconfie do asseio dos anfitriões, disfarçadamente substitua os talheres oferecidos por outros trazidos de casa, com a alegação de que você é alérgico ao metal utilizado – inox, prata ou alpaca. A mesma tática pode ser utilizada em relação aos copos em que você percebe marcas de baton ou outras substâncias mais estranhas. Não é deselegante levar toda a sua bateria de mesa de casa, desde que ela não seja mais classuda que a da anfitriã. Procure ser humilde;

não gesticular com o talher quando se fala, mastigar com a boca fechada e sem emitir sons além de comer devagar, mastigando bem os alimentos. É muito feio se engasgar com nacos de batata ou pedaços de carne maiores que o seu esôfago. Nunca leve o dedo à boca para retirar algum alimento preso em qualquer parte que seja;

Espero que estas dicas tenham sido úteis para os amigos.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Cadê o post?

Para quem lembra da brincadeira infantil que iniciava com um doce desaparecido, na palma da mão da criança, deve estar com a mesma sensação em relação a um blog conhecido. Uma certa mensagem que lembrava os graus de separação de Kevin Bacon simplesmente evaporou-se. Escafedeu-se, sumiu, evadiu-se, apagou-se ou qualquer ou termo que signifique desaparecimento.

Cadê o post que estava lá?

O gato comeu?

Não é possível.

De uma forma geral a gente sempre acha que vai acontecer com os outros. Seja por interpretação errônea ou por alguma implicância específica, determinados acontecimentos combinam mais com os outros. E quando sabemos da ocorrência não ficamos nem espantados – quase como numa predestinação, já sabíamos que aquilo ia acontecer com determinada pessoa. Era esperado. Sem nenhum pingo de imprevisto - nada de espanto, apenas constatação de que o momento chegou.

Mas assumir que esteja acontecendo logo com você, não, definitivamente não é aceitável. Não é nada agradável perceber que já aconteceu. Com aquele que se julgava imune, completamente protegido contra estes tipos de evento. Com aquele que nunca, voluntária ou involuntariamente, mereceu. Soa quase como um castigo. Sim, um castigo desproporcional, descabido e, completamente injusto.

Por mais que se busque uma esperança de tranqüilidade e aceitação, a resignação é impossível. Não há cabimento em ser resignado frente à tamanha injustiça. Deve ser um pesadelo. A qualquer momento o despertar deve interromper esta sensação.

Tudo vai voltar ao normal.

Definitivamente, não me conformo. É inadmissível.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Homenagem merecida.




Sou um simples apreciador do bel canto. Não entendo do assunto e nem distingo vibrattos e coloraturas. Mas tenho de reconhecer que em determinadas circunstâncias este tipo de música traz uma paz indescritível.

A ária apresentada no vídeo acima é uma passagem da ópera Norma, de Bellini, que estreou em 1831, no Teatro alla Scala, de Milão. È considerada um dos pontos alto da tradição operística e, por ser considerado um dos mais difíceis do repertório de soprano, a sua execução já rendeu fama a cantoras como Rosa Ponselle, Joan Sutherland, Maria Callas e a própria Montserrat Caballé.

Em relação a estas duas últimas representantes existe uma passagem pitoresca, relacionada com as apresentações realizadas por Montserrat Caballé, em Orange, no Thèatre Antique d’Orange, em 1974 – a mesma do vídeo apresentado. Maria Callas, depois de assistir a um vídeo de uma destas apresentações enviou à Montserrat um par de brincos usados por ela numa montagem de Norma, no alla Scala e produzida por Luchino Visconti. O reconhecimento firmou-se como uma passagem de bastão entre as cantoras.

Em agosto de 2006, no dia do casamento da sua filha Montserrat Marti, que também é cantora de ópera, Caballé afirmou que esta aguardando para passar os brincos a ela.

Será exagero de mãe?

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Telefone sem fio.

Provavelmente a maioria das pessoas já brincou de telefone sem fio. Ou seja lá o nome que, em outros rincões, seja dado para a brincadeira infantil de contar um fato a uma pessoa que deve passar a outra e assim por diante até que a última declare o fato que lhe foi passado. A diversão está em constatar as mudanças ao longo do trajeto. Quanto mais modificada, melhor.

Um dos grandes problemas da comunicação reside exatamente nesta questão. Em muitas circunstâncias é indispensável que a informação emitida seja recebida, no final da linha, da mesma forma. Sem acréscimos, decréscimos ou interpretações. E nem sempre existe esta garantia. Principalmente, mas não exclusivamente quando esta transmissão inclui diversas gentes.

Por alguma razão imponderável algumas pessoas não conseguem lidar com a informação de uma forma racional e impessoal. Para seu próprio entendimento, ou satisfação, necessitam reinterpretar a mensagem e, invariavelmente, cometem um truncamento indelével que compromete a transmissão. E, se na cadeia de usuários da informação existir um bom número de intermediários ou receptores com esta característica, aí então teremos um resultado semelhante ao do telefone sem fio infantil. Um verdadeiro samba do crioulo doido. Cada qual com a sua mensagem. Se juntarmos tudo isso com a falta de clareza ou transparência na emissão chegaremos bem perto do caos comunicativo e da perda de confiança nas informações.

Em diversas oportunidades, as informações oriundas de autoridades do governo, refletem a cenário descrito acima. Na sua forma completa. Completíssima, diga-se de passagem. Sejam na área econômica, social, empresarial, turística e agora na saúde. Para evitar pânico espero que a seqüência de esclarecimentos sobre a febre amarela, vacinação e cuidados seja um pouco mais controlada.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

O engoldor de "is" (2).

A maor parte das atvdades humanas depende mas de prátca, trenamento e dsposção do que de um dom nsprador que venha como brnde ao nascmento ou em outra fase da vda. Apesar de reconhecer que algumas prátcas necesstam de algo mas que uma capactação formal, devo acrescentar que o tal dom auxla ou determna uma execução superor da atvdade, mas a sua ausênca não é mpedtva.

Por exemplo, na músca. Nunca tve um ouvdo especal e nem consgo dstngur um sustendo de um bemol. Quanto mas os semtons. O meu tmbre de voz também não ajuda. Porém todas estas caracterstcas deploráves teram uma nfluênca apenas parcal se, realmente, eu qusesse ou tvesse uma força de vontade para cantar. Nunca sera um cantor de arrasar multdões. Podera no máxmo partcpar de concursos de karaokês, de fundo de quntal. Mas com certeza cantara alguma cosa. A falta de dsposção para este questo culmna num desafnar completo em qualquer crcunstânca muscal. De um smples jngle do Bsusan a uma ára da Ada.

Entretanto, em outros pontos a mnha dedcação e afnco foram brndados com a plena realzação. Como na arte de engolr “is”. Depos de pesqusar exaustvamente sobre o assunto e me tornar um expert, resolv tentar na prátca. Realmente me dedcar à tarefa. Humldemente comece engolndo as letras de nomes própros. De amgos é claro. Depos passe para verbos, predcados, apostos e conjunções e, fnalmente, frases nteras. Parágrafos e textos.

E vejam o resultado. Não é smplesmente espetacular!

Este post é dedcado ao meu amgo Gulherme.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Rier is nier de palé?

França 2004
Château de Versailles

Uma das nossas dificuldades no exterior é a língua. Poucos povos falam o brasileiro. Sim, o nosso idioma já se diferenciou tanto do português que os termos, sonoridade e entonação criaram uma lacuna entre o que se fala no Brasil e em Portugal. A solução mais adequada é desenvolver uma fluência naquela que se tornou a língua universal – o inglês.

Para os non-native speakers nem sempre a fluência adquirida permite uma tranqüilidade. Fica sempre a impressão de que se pode não ser compreendido. Principalmente em locais onde o inglês não é a língua oficial. Esta regra vale para algumas pessoas. Para outras, definitivamente não. Fico impressionado como alguns têm uma facilidade de criar uma nova língua e tentar comunicação através dela.

Uma vez íamos de trem para Versailles, observando o caminho, mas também prestando atenção em duas mulheres. Pareciam mãe e filha. Uma no entorno dos 25 anos e a outra com idade indefinida. Poderia ser uns cinqüenta anos conservados ou uns quarenta e poucos demolidos. As duas não paravam de falar. Diversos assuntos e, ... em brasileiro.

Em uma determinada estação as duas resolveram perguntar sobre o local onde descer para o acesso à Versailles. Escolheram uma senhora com aspecto típico de francesa e que lia um livro em francês. De uma forma bastante própria e com um sotaque que lembrava uma refugiada lituana, a mais velha, soltou o verbo e disparou esta pérola lingüística – rier is nier de palé?

Imaginem a cara de espanto da francesa com esta pergunta. Inconformadas com a falta de compreensão da nativa, a pretensa mãe, ainda tentou uma repetição mais pausada, realçando bem os termos e acompanhada por uma gesticulação, para ela característica – rier, apontando para o chão do trem, is nier, movimentando a mão num sentido de vai-e-vém procurando demonstrar distância, de palé, desenhando no ar as torres de um palácio imaginário.

Neste momento a leitora levantou-se e, aproveitando que o trem ainda estava parado, fugiu em desabalada carreira antes que as duas estrangeiras conseguissem persegui-la. A filha, sabiamente, resmungou em alto e bom som que esperava que na França, com todo o desenvolvimento do país, as pessoas entendessem um pouquinho de inglês. Que decepção!

Depois deste desabafo, restou apenas uma atitude de bom-samaritano e explicar que o desembarque para o Château de Versailles seria mais adequado na próxima parada. Em brasileiro, claro.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Datas.

Um dos maiores mistérios do mundo reside na importância que as pessoas dão para determinadas datas. E nas suas diferenças. Para algumas o Natal é a época mais importante da vida, para outras o próprio aniversário, outras o aniversário de casamento. Existem aquelas que não podem perder um carnaval ou reveillon ou festa de São João. As variações são infinitas. Mas porque isso ocorre?

Aos fatos. Existem dois períodos de aleatoriedade das leis universais. Os Big Bangs e os alignus egocentricus. Resumidamente os Big Bangs correspondem à concentração de toda energia em um ponto do universo. Previsto para daqui a dois milhões, quatrocentos e três mil, setecentos e quarenta e dois anos, sete dias, doze horas e vinte e seis minutos, o próximo Big Bang deverá modificar substancialmente a distribuição de seres vivos nas galáxias.

Já os alignus, de ocorrência mais freqüente, têm um efeito menos desastroso. Até benéfico. O fenômeno é assim – num determinado momento do ciclo anual astronômico os princípios se invertem e o Universo passa a girar em torno das pessoas. De qualquer pessoa. A ocorrência de um alignus faz com que, independente de onde se esteja e de quem seja, naquele momento a pessoa se torna o centro do Universo. As energias cósmicas, quânticas, físicas, galácticas e intergalácticas se alinham com o epicentro em algum segmento corporal das pessoas.

Em algumas oportunidades o epicentro coincide com o cérebro, em outras com o coração ou outros locais. A localização do epicentro depende de condições próprias da energia, dos movimentos cósmicos e de determinantes pessoais. Por isso a variabilidade infinita de combinações, apesar de algumas pessoas demonstrarem evidências de agirem como se os determinantes fossem apenas de uma forma. Só cérebro ou só coração... ou só outras partes.

A extensão e distribuição dos epicentros também são variáveis. Deste modo existem os alignus globais, quando todas as pessoas são beneficiadas pela centralização universal e os alignus individuais, em datas específicas de importância para apenas uma pessoa ou grupos. A partir da aquisição deste conhecimento, a compreensão dos fatos determina uma obrigação – não desperdiçar a ocorrência de um alignus. As forças e energias não devem ser desprezadas. Procurem desenvolver sistemas de determinantes que dirijam os epicentros para locais desejados, em datas desejadas. Apenas em algumas datas, o abuso desta situação pode levar a dependência.

sábado, 5 de janeiro de 2008

A vitela do bispo.

Não se trata de outra receita. O título do post refere-se a um acontecimento que foi puxado da memória pela remembrância do molho béchamel. Outra das infindáveis agruras, pelas quais passamos até chegar ao reconhecimento e fama internacional.

Era uma vez, dois aprendizes de chef que resolveram, estimulados pelo mais saliente, preparar uma vitela. Não uma simples vitela, uma vitela au vin. Antes que os politicamente corretos exclamem – carne de vitela, quanta maldade – eu devo salientar que, apesar do processo de obtenção do vitelo ser essencialmente cruel, eram outros tempos, outra consciência. Caso sirva de consolo, depois desta experiência nunca mais preparamos vitela e nem mesmo comemos. Só não posso afirmar que a motivação tenha sido toda por consciência da barbárie com o animal. Acho que o dissabor da tentativa foi responsável por boa parte da rejeição.

Vamos aos fatos. A receita escolhida indicava que a carne deveria ter um pernoite em vinha d’alho. Assim procedeu-se. Para dar mais sabor à carne optou-se por um vinho especial, de safra selecionada e trazido da cave de um amigo gaúcho. Ao líquido foram acrescentados diversos temperos com nomes estranhos e que precisavam de biquinho para serem pronunciados. Claro, e o popular alho.

Marinheiros de primeira viagem resolvemos acompanhar, de perto, a marinada da carne. Com determinada freqüência espiávamos para verificar se estava tudo bem. Na primeira olhadela ficamos com a impressão de que a cor da carne estava variando. A segunda reforçou um pouco mais a impressão. O mais saliente, que também se julgava o mais experiente, invocou uma explicação relacionada com a reação química do tanino do vinho com os radicas sulfetos livres, devido a baixa quantidade de ferro na vitela. Ou então a luminosidade da geladeira que distorcia o prisma das cores.

Com o passar do tempo a impressão foi ficando cada vez mais sedimentada. Passou de impressão a realidade – a vitela estava ficando púrpura. A sagrada cor dos bispos, símbolo da penitência. Como não houve modificação do aspecto ou do odor do alimento e nem mesmo sabíamos se este fato implicava um problema resolvemos preparar a vitela assim mesmo. Ao forno. Quarenta e cinco minutos de forno médio e dez de fogo alto para dourar. Pairava a dúvida se a cor púrpura, sob efeito do calor, assumiria a cor dourada. Mas pagou-se para ver. Realmente, pagou-se caro para ver.

Já nos primeiros quinze minutos de cozimento o púrpura tornou-se um roxo lúgubre. Nova explicação química salientava que o processo de aquecimento dos polifenóis ou dos flavonóides poderia causar, transitoriamente, esta mudança de cor. O resfriamento discreto após a retirada do forno garantiria o retorno a uma cor mais adequada, salientou o saliente.

Mais adequada? – questionou o auxiliar. Mesmo o retorno ao tom púrpura anterior carecia de adequação. A não ser num jantar para o Sínodo Latino-americano. A preocupação começou a tomar conta do ambiente quando apareceram veios azulados. Agora estávamos diante de um vitelo tricolor – roxo, púrpura e azul. O que daria um contraste impressionante com o amarelo das batatas e o verde do brócoli, que serviriam de acompanhamento.

Neste momento tinha-se a impressão de estar diante de algum alienígena de filmes de ficção, classe D. Sem crescer ou mudar de forma o ser assumia todas as combinações de cores imagináveis. Mesmo alguns minutos depois, quando abrimos a tampa da lata de lixo, ainda podia se notar discretas modificações da tonalidade da carne que, agora, variava do sépia ao marrom escuro. O auxiliar ainda questionou se não seria mais adequado dar uns tiros naquilo. Achei que não era preciso. Até agora o ser não retornou.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

O suflê doente.

Apesar de ser um dos maiores experts com caçarolas, frigideiras, panelas e afins não tenho o hábito de publicar ou escrever sobre comida. Aprecio muito ler e me impressiono com a capacidade que alguns, ou melhor, algumas colegas da blogosfera têm de transformar uma simples receita ou o tormento da cozinha suja em literatura de primeira ordem.

Recentemente li, no espaço Gourmets amadores, sobre as agruras de uma experiente cozinheira em relação ao murchar dos suflês. Ela até levanta uma teoria muito interessante sobre a conspiração francesa para fazer os cozinheiros de outros locais sentirem-se humilhados frente à robustez dos suflês franceses. Mesmo compartilhando da referida teoria fui buscar subsídios científicos para esclarecer esta dúvida.

Na minha jornada, lancei mão de conhecimentos semânticos e médicos mais do que gastronômicos, para resolver o mistério. A etimologia da palavra indica uma origem no verbo francês souffler, que significa “soprar, respirar”. Isso mesmo respirar. Desta forma, também, as relações da iguaria com o ar obedecem à fisiologia respiratória – o ar que entra deve sair. Conforme queríamos demonstrar, o suflê foi feito para murchar. Sem entrar em detalhes enfadonhos de pressões e volumes, a quantidade final de aeração do suflê dependerá do volume residual, aquele que permanece no local depois de encerrado o processo ventilatório. Quanto menor o volume residual, menos ar vai sobrar e mais murcho vai parecer. E vice-versa. Simples, não é mesmo?

Agora todos perguntam – o que fazem os franceses para aumentar o volume residual e manter o suflê estufado? É doloroso, mas verdadeiro. Os chefs causam uma doença no suflê. De tanto fumarem nas cozinhas, durante a preparação dos suflês, os coitadinhos já nascem com enfisema, uma doença que aumenta o volume residual com a formação de grandes bolhas. Neste caso os coitadinhos são os suflês. Sim, os suflês tornam-se enfisematosos e com isso retêm mais ar, no final do processo suflatório. E não murcham.

Voilà!


Qualquer forma de agradecimento pode ser enviada para o endereço deste escrevinhador. Principalmente se vier na forma de algumas das delícias preparadas por vocês

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

A magia de ler os outros.

Tudo é possível, podemos predizer o futuro e recriar um passado. Elaborar, inventar, mentir, declarar, assumir, propor, tudo por meio das letras e das suas combinações. E elas adquirem vida própria... as invenções viram verdades para os sonhadores e as verdades soam a mentiras para os pragmáticos.

As maneiras incrivelmente pessoais de saborear a leitura. Ter a clara noção de que as imagens formadas dependem do arranjo das palavras, na mente de cada um. Assim deve ser entendida a magia de ler os outros. Não como lições de vida ou experiências transmitidas, apenas como exercício de transformar pensamentos em mensagens. Não há necessidade de ter um único sentido ou mesmo de fazer sentido. Cada qual cria a sua história a partir das letras. A mensagem pode ser a mesma, porém o entendimento será particular – incomparável. Os segredos escritos transformam-se em mil segredos. Os contos das mil e uma noites não seriam apenas um escrito, exaustivamente repetido de formas diferentes?

Por isso, amigos PI e Dr. J a insistência. Não por falta de respeito, mas por uma necessidade de saber o que são os dois em forma de escrita. Como as palavras se arranjam depois de enviadas para os outros. Qual o sentido que assumem. Desta forma a importância não reside no que está escrito, mas como foi e como permanecerá escrito. Apenas interesse de conhecer, sem comparação, sem críticas e sem melindres. Ainda não foi. Quem sabe um dia será. Existem promessas no ar.

E aqueles que se mantêm presos pelos as, cês, hagás, jotas e erres criam uma cumplicidade definitiva. Variável para cada um, porém sempre atinge o alvo... seja mente, coração, estômago, ou partes mais baixas. Sim as palavras têm o poder de estimular os mais diferentes lugares... Cada mensagem com a sua finalidade. E, assim participam da vida das pessoas. Onde quer que elas estejam, e quem quer que elas sejam. Assim, criam códigos pessoais, individuais e indissolúveis. Com os laços das sentenças e orações prendem os escolhidos.

E, um dia, na pálida lembrança de um esquecimento, tornam-se o que escrevem.
Ou o que lêem.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Ritos de passagem.

Encerrados os preparativos, todos esperam ansiosamente o desenrolar do Novo Ano. Apesar das formas variadas, praticamente todas as comemorações tem o mesmo sentido – buscar esperanças para que o novo tempo seja melhor. Sim, melhor porque o pior a gente não precisa desejar, ele vem sem pedir licença.

Os costumes e tradições da passagem do ano variam de acordo com os locais, povos e culturas. Entre aborígenes antropófagos as lentilhas são substituídas por olhos dos inimigos. Comê-los na virada do ano, literalmente, abre os olhos para o futuro. Mesmo entre pequenas comunidades, as formas de passar o ano são diferenciadas. Cada um expressa o prazer da entrada, no bom sentido, a sua maneira.

Alguns, cansados das andanças do ano, preferem passar de pernas para o ar apreciando os céus azuis. Um repouso merecido. E como num exercício profissional subliminar, resolvem fazer propaganda de lançamentos imobiliários no interior. Ah, o apelo da mídia fala mais forte. Deve ser a formação.

Já na constelação das Três Marias, as lembranças voam para bem longe. A desimportância de colonizadores e colonizados une os dois lado do Atlântico num abraço fraterno. E poético. Com direito a misturança de autores estrangeiros nas mensagens. A Academia Francesa de Letras agradece.

Em outros locais a tradição determina que haja mudanças drásticas na casa. E promessas de fundos e mundos. Acompanhadas dum certo ar blasé e um pouco de gênero nos comentários alheios sugerindo que não atingiram um nível. Sei lá a que nível se refere, mas soa um pouco tipo discurso de Miss – não sei por que me escolheram têm muitas melhores que eu.

Sem contar a forma de retorno à infância - se balançar. Tem uns que aproveitam as realizações natalinas e entre lamentos de cansaço, e sentimentos de realização, somem deixando imagens tentadoras de uma mesa abarrotadas de delícias, que os famintos confundem com uma miragem –- e tentam, sem sucesso, entrar na tela. Tudo isso num novo local tão ou mais azul que os céus do alguns.

Totalmente peculiar a maneira encontrada pelo grupo das embaraçadas, gestantes e grávidas. Elas persistem na idéia fixa de desejos e alimentação. O mais intrigante refere-se ao desejo de se tornar uma grande picadora de alimentos. Cada qual com os seus sonhos e aspirações para o novo ano.

Num local denominado Musikal, assim com sotaque alemão, que nem “o salsicha”, a fórmula de sucesso para o novo tempo inclui a proteção de espíritos cantantes. Quanto mais espírito, melhor. E para um reforço da expectativa deve-se apelar para a dose dupla – leve duas, da mesma. E como o vinho, quanto mais velhas, melhores. Lembra um pouco o fundo musical da Santa Ceia.

No reino dos picantes a passagem lembra Copacabana. Um jogo de luz e cores acompanhado de mensagem circular que alega serem simpáticas as simpatias sem, no entanto, escolhê-las para postagem. Mesmo, assim, muito simpática a tradição saborosa.

No meio da Floresta, provavelmente o bairro de Porto Alegre, os seres idosos se reúnem no calar da noite. Como as feiticeiras de McBeth, invocam os espíritos novos para afastar a contaminação dos vícios antigos, culminando com a doce mensagem da fraternidade.

E ainda têm outros que... bem, têm outros que continuam desaparecidos. Para estes, os ritos de passagem são muito semelhantes aos do dia-a-dia e incluem a obrigatoriedade de permanecerem escondidos do público. A preservação acima de tudo. Não fazer para não errar. Sobra uma gentileza involuntária com título do último trabalho, apesar de um tanto estranha para a comemoração da meia-noite.

Como estudioso e pesquisador das manifestações culturais primitivas, devo complementar que saio enriquecido deste início de ano. Guris, eu vi!

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Cartas aos que não querem passar de tempo.

Salvador Dali
The Disintegration of Persistence of Memory, 1952-54


Àqueles que neste dia escolhido para ser o início de um novo ciclo suplicam para que o sol não volte a aparecer, tenho duas coisas a dizer: eu vos entendo muito bem e não há nada de errado em perceber que já atingiram a felicidade. E ter medo de que agora a roda, rode para trás. Não em toda a existência, mas em algum dos seus aspectos.

Sim caros amigos, são reais aqueles para quem um tempo que passou é o mais maravilhoso de todos os universos e a simples menção de um novo tempo soa como blasfêmia. O que se quer é parar e aproveitar o tudo de bom que aconteceu, que se construiu. Sem a preocupação de brindar o desconhecido. O que está por vir. O ainda não existente.

É como brincar de esconde-esconde com a certeza de não querer ser descoberto e permanecer ausente para o sempre. Curtir o que tendo sido, continuará a ser. Sem trocar o certo pelo duvidoso. Qual a utilidade de desejar que o próximo tempo seja melhor se existe momentos em que o melhor já aconteceu? É o desejo que o passado não passe. Que permaneça até o último momento de paz. Que seja eterno.

Vocês já tiveram a sensação de que em alguns momentos não é preciso ter futuro. Continuar a viver e passar o tempo sim, futuro não. O depois soa inconfortavelmente desagradável. O aqui e agora ou o acolá e antes suprem todas as vontades. O sol mais brilhante, a flor mais bela, a música mais sublime, o perfume mais inebriante, a compaixão mais ardente já aconteceram. E permanecem. Por que e para que desejar mais? Basta de anseios ou de ilusões. Se o copo já está cheio, transbordar não acrescenta nada. Só perda.

Por isso, curtam sem restrições aquilo em que a felicidade já chegou. Feliz qualquer que seja o tempo em que pararam.